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sexta-feira, 19 de maio de 2017

Curso de Literatura - Parte 4 - Trovadorismo

O Trovadorismo não faz parte da literatura brasileira, mas é importante porque junto aos autos de Gil Vicente e o Classicismo são movimentos antecessores de nossa literatura nacional e, mais ainda importante porque é ela que marca o início da literatura em língua portuguesa.

A primeira cantiga que se tem noticia foi a de Paio Soares Taveiro (1189 ou 1198), a cantiga de amor chamada de Cantiga da Ribeirinha. 



O estudo do Trovadorismo abrange o período correspondente ao início do surgimento de Portugal como reino nacional, por volta dos anos 1100 e até o final do Período Medieval.

Os poemas produzidos na época são chamadas de cantigas por serem acompanhadas por instrumentos musicais e também por danças de modo que os textos que nos chegaram do Trovadorismo, na verdade, são originalmente textos orais. Seus autores eram membros do clero e da nobreza. As cantigas podem ser classificadas, quanto ao conteúdo como líricas (Cantigas de Amigo e Cantigas de Amor) ou satíricas (Cantigas de Escárnio e Cantigas de Maldizer). 

As Cantigas de Amigo, cujo eu-lirico é feminino, retratam um espaço rural e popular. Nelas o eu-lírico lamenta, geralmente, a ida do amigo (namorado) para a guerra contra os muçulmanos. 

Vaiamos, irmana, vaiamos dormir
nas ribas do lago u eu andar vi
      a las aves meu amigo.
  
Vaiamos, irmana, vaiamos folgar
nas ribas do lago u eu vi andar
     a las aves meu amigo.
  
Nas ribas do lago u eu andar vi,
seu arco na mãao as aves ferir,
     a las aves meu amigo.
  
Nas ribas do lago u eu vi andar,
seu arco na mãao a las aves tirar,
       a las aves meu amigo.
  
Seu arco na mano as aves ferir
e las que cantavam leixa-las guarir,
      a las aves meu amigo.
  
Seu arco na mano a las aves tirar
e las que cantavam non'as quer matar
       a las aves meu amigo.
Vamos, irmã, vamos dormir
nas margens do lago onde eu  vi andar meu namorado  a (caçar) as aves.
  
Vamos, irmã, vamos folgar
nas margens do lago onde eu vi meu amigo andar (a procurar) as aves.
  
Nas margens do lago onde eu a andar o vi,
seu arco na mão as aves ferir,
     as aves meu namorado.
  
Nas margens do lago onde eu o vi a andar,
seu arco na mão a as aves flechar,
     as aves meu namorado.
  
Seu arco na mão as aves ferir
e as que cantavam deixa-as partir,
      as aves meu namorado.
  
Seu arco na mão as aves flechar
e as que cantavam não as quer matar
       as aves meu namorado.

Linguisticamente, as cantigas de amigo, cuja origem é popular, são mais simples do que as de amor. Sua estrutura é paralelística, ou seja, certos estrofes e versos se repetem com pouca alterações talvez para facilitar a memorização do poema, para dar ritmo e musicalidade. Há um outro tipo de paralelismo chamado leixa-pren (deixa e pega de volta) que no poema acima ocorre no segundo verso da primeira estrofe (nas ribas do lago u eu andar vi) e se repete na primeiro verso da quarta estrofe (Nas ribas do lago u eu vi andar,).

Perguntar-vos quero por Deus
Senhor fremosa, que vos fez
mesurada e de bon prez,
que pecados foron os meus
     que nunca tevestes por ben
     de nunca mi fazerdes ben.

Pero sempre vos soub'amar
des aquel dia que vos vi,
mays que os meus olhos en mi,
e assy o quis Deus guisar,
     que nunca tevestes por ben
     de nunca mi fazerdes ben.

Des que vos vi, sempr'o maior
ben que vos podia querer
vos quigi, a todo meu poder,
e pero quis Nostro Senhor
     que nunca tevestes por ben
     de nunca mi fazerdes ben.

Mays, senhor, ainda con ben
se cobraria ben por ben.
Perguntar-vos quero, por Deus,
Senhora formosa, que vos fez
prudente e honrada,
quais pecados foram os meus
     que nunca me tivestes por bem
     visto que nunca a mim fazerdes bem.

Porém sempre vos soube amar
desde aquele dia em que vos vi,
mais que os meus olhos em mim,
e assim o quis Deus decidir,
     que nunca me tivestes por bem
     visto que nunca a mim fizerdes bem.

Desde que vos vi, sempre o maior
bem que vos podia querer
a vos dediquei de todo o meu coração,
porém quis Nosso Senhor
     que nunca me tivestes por bem
     visto que nunca a mim fazerdes bem.

Mais, senhora, ainda com o bem
se cobraria bem por bem.

Como se percebe, a cantiga de amor acima apresenta uma estrutura mais complexa e mais bem elaborada do que a cantiga de amigo apresentada anteriormente. As cantigas de amor possuem raízes na cultura aristocrática das cortes. O eu-lírico é masculino e dedica um amor subordinado às convenções morais da época: a figura da mulher é distanciada fisicamente do eu-lírico, sua honra e eu nome devem ser preservados, o amor deve ser casto na medida do possível. A ambientação é urbana e o eu-lírico, como dito anteriormente, é masculino.

Abaixo uma bela versão de uma cantiga de amigo executada originalmente pelo grupo de rock Legião Urbana e ampliada pelo músico Marcelino Ferrer


A cantiga de escarnio e de maldizer é a primeira experiência de poesia satírica em língua portuguesa. Sua estrutura formal é mais livre que as outras cantigas. As cantigas de escárnio não apresentam os nomes daqueles que serão zombados pelo trovador, as de maldizer, além de apresentar os nomes  da pessoa, ainda apresentam palavras obscenas e críticas mais diretas.   As cantigas de escárnio são sutis, linguisticamente mais elaboradas por apresentar figuras como a ironia, as sutilezas, os trocadilhos etc.

Por meio delas é possível compreender a cultura, a sociedade, a moralidade e a linguagem da época. vejamos alguns exemplos:

Maria Pérez se maenfestou
noutro dia, ca por [mui] pecador
se sentiu, e log'a Nostro Senhor
pormeteu, polo mal em que andou,
que tevess'um clérig'a seu poder,
polos pecados que lhi faz fazer
o Demo, com que x'ela sempr'andou.
 
Maenfestou-se ca diz que s'achou
pecador muit', e por en rogador
foi log'a Deus, ca teve por melhor
de guardar a El ca o que a guardou;
e mentre viva, diz que quer teer
um clérigo com que se defender
possa do Demo, que sempre guardou.

E pois que bem seus pecados catou,
de sa mort'houv'ela gram pavor
e d'esmolnar houv'ela gram sabor;
e log'entom um clérigo filhou
e deu-lh'a cama em que sol jazer,
e diz que o terrá, mentre viver;
e est'afã todo por Deus filhou.
 
E pois que s'este preito começou
antr'eles ambos houve grand'amor
antr'ela sempr'[e] o Demo maior,
atá que se Balteira confessou; 
mais, pois que vio o clérigo caer
antr'eles ambos, houv'i a perder
o Demo, des que s'ela confessou.
Maria Pérez se confessou
noutro dia, porque  muito pecadora
se sentiu, e logo a Nosso Senhor
prometeu, pelo mal em que andou,
que tivesse um clérigo em seu poder,
pelos pecados que lhe faz fazer
o Demo, com que ela sempre andou.
 
Confessou-se porque diz que se achou
muito pecadora, e por intercessor
foi logo a Deus, porque teve por melhor
de guardar a Ele porque  a guardou;
e enquanto  viva, diz que quer ter
um clérigo com que se  possa defender do Demo, que sempre guardou.

E depois que bem seus pecados procurou,
de sua morte teve ela grande pavor
e de esmolar teve ela grande prazer;
e logo então um clérigo agarrou
e deu-lhe a cama em que dormia só,
e diz que o terá, enquanto viver;
e este tormento todo por Deus agarrou.
 
E depois que este preito começou
entre eles ambos houve grande amor
entre ela sempre o Demo maior,
até que se Balteira confessou; 
mas, pois que viu o clérigo cair
entre eles ambos, houve a perder
o Demo, desde que ela se confessou.

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