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terça-feira, 30 de maio de 2017

Curso de Literatura- Parte 5 - Simbolismo

O Simbolismo surge no Brasil com a publicação de Missal (prosa) e Broqueis (poesia) de Cruz e Sousa no ano de 1893. Pelas poesias analisadas, percebe-se que os temas giram em torno basicamente da questão do auto-conhecimento e da auto-compreensão. A religião está presente, não como algo ortodoxo ou exterior ao indivíduo, mas como interior e heterodoxo. A realidade não está também no exterior, ela é criada a partir da subjetividade do sujeito.

Gustave Moreau - Vozes da noite

A questão da objetividade
Existem várias formas de capturar a realidade: alguém pode tentar capturá-la por meio da pintura, das artes cinematográficas, da fotografia. Mas todas elas não são a realidade, mas recortes dela. O fotógrafo escolhe o melhor ângulo, a melhor perspectiva para retratar sua interpretação da realidade. Assim como a fotografia, a literatura, segundo os simbolistas, também não é capaz de retratar objetivamente a realidade.

O Simbolismo surge durante o período que na França foi denominado como Belle Époque, marcado por sua eferverscência cultural e por seu desenvolvimento tecnológico. Na França, esse período corresponde aos anos de 1880 a 1914. No Brasil, que no período sofria muita influência da França, a Belle Époque ocorreu entre os anos de 1889 a 1922. Foi durante esses anos  que o mundo viu o surgimento de tecnologias que até hoje influenciam nossas vidas: o telefone, o telégrafo sem fio, o cinema, a motocicleta, o automóvel e, até mesmo, o avião. Assim como, com uns anos um pouco posterior ou anterior, que movimentos culturais e científicos surgiram, como a psicanalise

Baudelaire (1826 - 1867), por meio de seu poema Correspondências, dá as diretrizes do movimento Simbolista: 

A natureza é um templo em que vivas pilastras
deixam sair ás vezes obscuras palavras;
o homem a percorre através de florestas de símbolos 
que o observam com olhares familiares.

Como longos ecos que de longe se confundem
numa tenebrosa unidade,
vasta como a noite e como a claridade,
os perfumes, as cores e os sons se correspondem.

Há perfumes saudáveis como carnes de crianças,
doces como os oboés, verdes como as campinas, 
- e outros, corrompidos, ricos e triunfantes,

tendo a efusão das coisas infinitas, 
como o âmbar, o almíscar, o benjoim e o incenso,
que cantam os êxtases do espírito e dos sentidos.

Correspondências é um poema sinestésico: as palavras transcendem o sentido da visão alcançando outros como o tato, o olfato, a audição etc. A linguagem torna-se transcendente: a impressão percebida por um dos sentidos é transmitida aos outros. Os elementos concretos (pilastras, florestas) são símbolos de coisas imateriais.

Há movimentos literários que tentarão explicar as coisas concretas da vida: as ações e os relacionamentos, os comportamentos humanos, outras focarão seus olhos no universo interior do indivíduo: as sensações, as motivações psicológicas, os sentimentos. É dessa oscilação entre o concreto e o abstrato, entre o real e o irreal que os movimentos irão tentar explicar o mundo, representando-a metonimicamente (Classicismo, Realismo) ou metafóricamente (Romantismo, Simbolismo).

A linguagem da poesia Simbolista não vai explicar, mas sugerir a realidade por meio de símbolos, imagens, metáforas, sinestesias e sonoridades, como no poema de Cruz de Sousa abaixo, Violões que Choram:


Ah! plangentes violões dormentes, mornos,
Soluços ao luar, choros ao vento...
Tristes perfis, os mais vagos contornos,
Bocas murmurejantes de lamento.

Noites de além, remotas, que eu recordo,
Noites da solidão, noites remotas
Que nos azuis da Fantasia bordo,
Vou constelando de visões ignotas.

Sutis palpitações à luz da lua,
Anseio dos momentos mais saudosos,
Quando lá choram na deserta rua
As cordas vivas dos violões chorosos.

Quando os sons dos violões vão soluçando,
Quando os sons dos violões nas cordas gemem,
E vão dilacerando e deliciando,
Rasgando as almas que nas sombras tremem.

Harmonias que pungem, que laceram,
Dedos nervosos e ágeis que percorrem
Cordas e um mundo de dolências geram
Gemidos, prantos, que no espaço morrem...

E sons soturnos, suspiradas mágoas,
Mágoas amargas e melancolias,
No sussurro monótono das águas,
Noturnamente, entre ramagens frias.

Vozes veladas, veludosas vozes,
Volúpias dos violões, vozes veladas,
Vagam nos velhos vórtices velozes
Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.

Tudo nas cordas dos violões ecoa
E vibra e se contorce no ar, convulso...
Tudo na noite, tudo clama e voa
Sob a febril agitação de um pulso.

Que esses violões nevoentos e tristonhos
São ilhas de degredo atroz, funéreo,
Para onde vão, fatigadas do sonho,
Almas que se abismaram no mistério.

Analisando o poema, percebemos que a presença de certas palavras (violôes dormentes, vagos contornos, noites de além, remotas) passam ao leitor a sensação de opacidade, de sonho ou mesmo de uma imagem indefinida. Devemos nos lembras que o Simbolismo, em lugar de tentar representar as coisas fielmente, apenas sugere um estado de alma. Transcendendo o nível linguístico, a aliteração das consoantes V, evoca os sons produzidos pelo movimento dos dedos nas cordas do violão (Vozes veladas, veludosas vozes), a personificação (ou prosopopéia) quando diz, por exemplo, violões nevoentos e tristonhos e a sinestesia (Ah! plangentes violões dormentes, mornos ou Que nos azuis da Fantasia bordo). 

Características do Simbolismo
O misticismo, religião e espiritualismo estão presentes. O cristianismo é interpretado menos ortodoxamente pelos simbolistas brasileiros.

O ser que é ser e que jamais vacila 
Nas guerras imortais entra sem susto, 
Leva consigo esse brasão augusto 
Do grande amor, da nobre fé tranqüila.

Os abismos carnais da triste argila 
Ele os vence sem ânsias e sem custo... 
Fica sereno, num sorriso justo, 
Enquanto tudo em derredor oscila.

Ondas interiores de grandeza 
Dão-lhe essa glória em frente à Natureza, 
Esse esplendor, todo esse largo eflúvio.

O ser que é ser tranforma tudo em flores... 
E para ironizar as próprias dores 
Canta por entre as águas do Dilúvio!

Na primeira estrofe, temos a expressão o ser que é ser,  que nos traz a mente que o ser é construído internamente e não exteriormente: o ser não é ter, o ser é ser. Na Bíblia, durante o encontro de Moisés com Jeová, o pastor pergunta o nome de D'aquele que falava com ele, ao que responde: Eu Sou.  As guerras travadas são imortais, ou seja, transcendem o material, a triste argila com que é feito o corpo carnal. o ser que é ser não vive a situação de modo passivo, mas ativo, combativo e sereno  porque transforma tudo em flores Pode o mundo oscilar e vacilar, poderá cair mil a sua direita e dez mil a sua esquerda, mas ele não será atingido. 

Transcendência é aquilo que excede os limites da normalidade, é também uma tentativa de ver além das aparências, mas a essência das coisas, A Transcendência e a integração côsmica também são elementos encontrados no Simbolismo:
Para as Estrelas de cristais gelados 
As ânsias e os desejos vão subindo, 
Galgando azuis e siderais noivados 
De nuvens brancas a amplidão vestindo... 

Num cortejo de cânticos alados 
Os arcanjos, as cítaras ferindo, 
Passam, das vestes nos troféus prateados, 
As asas de ouro finamente abrindo... 

Dos etéreos turíbulos de neve 
Claro incenso aromal, límpido e leve, 
Ondas nevoentas de Visões levanta... 

E as ânsias e os desejos infinitos 
Vão com os arcanjos formulando ritos
Da Eternidade que nos Astros canta...

As angustias, provocadas por um desejo irrefletido, um desejo não-motivacional, que não faz o homem avançar são levados ao céu, às amplidões do espaço infinto. O mal desejo é levado pelos arcanjos em cortejos alados, a semelhança de incensos.

Loucura e atração pela morte, elementos que aproximam os Simbolistas dos Ultra-romanticos, também podem ser identificados:
Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar…
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar…
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar…

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar…
Estava perto do céu,
Estava longe do mar…

E como um anjo pendeu
As asas para voar…
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar…

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par…
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar…

Um dos mais belos poemas da literatura brasileira, Ismália abre seus braços e caindo no mar, sobe aos céus. O poema apresenta estrutura paralelística  e redondilha maior (7 sílabas poéticas) do mesmo modo que era usada no período medieval. Por outro lado, retoma temas presentes no Romantismo, a loucura e a morte, também, a semelhança do Barroco; as antíteses e os conflitos entre a realidade material e espiritual. É uma narrativa que conta a história da loucura de Ismália, triste, belo e lírico.

O questionamento da razão e da existência humana:
Com a lâmpada do Sonho desce aflito 
E sobe aos mundos mais imponderáveis, 
Vai abafando as queixas implacáveis, 
Da alma o profundo e soluçado grito.

Ânsias, Desejos, tudo a fogo, escrito 
Sente, em redor, nos astros inefáveis. 
Cava nas fundas eras insondáveis 
O cavador do trágico Infinito.

E quanto mais pelo Infinito cava 
mais o Infinito se transforma em lava 
E o cavador se perde nas distâncias...

Alto levanta a lâmpada do Sonho. 
E como seu vulto pálido e tristonho 
Cava os abismos das eternas ânsias!  

O sonho é uma ferramenta de auto-conhecimento penetrando o inconsciente (mundos imponderáveis). O cavador vai abafando (ou ocultando) as queixas da alma. É interessante notar que ao mesmo tempo em que o sonho é uma ferramenta de escavação, ele também é uma lâmpada que ilumina os sentimentos do cavador. Cava nas fundas eras insondáveis quer dizer que as causas dos desejos e  das angustias estão em um momento já perdido pelo tempo. O poema não apresenta uma solução ou uma explicação para o eu-lírico, portanto é uma busca sem fim (E quanto mais pelo Infinito cava / mais o Infinito se transforma em lava).

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