Vamos estudar o Romantismo em duas partes, poesia e prosa. As duas são igualmente importantes e tiveram ótimos escritores. A publicação de Suspiros poéticos e saudades (1836) de Gonçalves de Magalhães (1811 - 1882) é marcada como o nascimento do Romantismo no Brasil.
A história do Brasil e o Romantismo confundem-se. Com a possibilidade das tropas francesas de Napoleão tomar Portugal que não tinha condições militares de resistir a invasão. A Corte portuguesa decide, com a ajuda dos ingleses, mudar a Família Real Portuguesa ao Brasil (1808). Com isso o Brasil deixa de ser colônia e obtem o status de Reino Unido a Portugal e Algarves. Muito bom para o Brasil que agora pode ter uma impressa que irá publicar jornais e livros criando, finalmente, um público leitor.
Dona Maria I, (a Louca), foi com D. João, os dois únicos soberanos do Reino Unido do Brasil, Portugal e Algarves |
A independência ideológica ocorreu principalmente por meio do nacionalismo ufanista das obras de nossos autores. Por falta de uma idade média, que representasse os valores individuais e nacionais da nação recém-independente, os escritores escolheram o índio como substituto aos valores que cavaleiro medieval representou no Romantismo Europeu. Podemos destacar também o regionalismo, a pesquisa histórica, o folclore e a tentativa de reproduzir uma língua brasileira, que serão mais evidentes na prosa do que na poesia, como características do romantismo.
* * *
As gerações românticas são classificadas principalmente pela poesia, já que um mesmo prosista pode possuir as características das três gerações a seguir: a primeira geração é definida pelo nacionalismo, pelo indianismo e pela religiosidade; a segunda geração é caracterizada pelo egocentrismo, pelo pessimismo, pelo satanismo e pelo tema constante da morte; finalmente a terceira geração é marcada pela consciência nacional e social.
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar sozinho, à noite
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que disfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Enfim te vejo! - enfim posso,
Curvado a teus pés, dizer-te,
Que não cessei de querer-te,
Pesar de quanto sofri.
Muito penei! Cruas ânsias,
Dos teus olhos afastado,
Houveram-me acabrunhado
A não lembrar-me de ti!
III
Louco, aflito, a saciar-me
D'agravar minha ferida,
Tomou-me tédio da vida,
Passos da morte senti;
Mas quase no passo extremo,
No último arcar da esperança,
Tu me vieste à lembrança:
Quis viver mais e vivi!
O eu-liríco, apesar do amor não correspondido, idealiza o objeto amoroso (2°) apesar de todo sofrimento causado pela amada. Ainda assim, ele prefere morrer (11°) a esquecê-la (8°), mas felizmente, (ou infelizmente, já que a amada lhe causa um sofrimento atroz), a lembrança da mulher o faz desejar viver (16°).
I-Juca-Pirama (o que há te morrer) é um poema épico de Gonçalves Dias. Vejamos resumidamente o enredo: um tupi é aprisionado pelos timbiras e será submetido e sacrificado em um ritual antropofágico. Sentimentos contraditórios o atinge: não tem medo da morte, mas quer viver por causa de seu velho pai. Acusam-no de covarde mas é libertado. Ao reencontrar seu pai, este percebe o cheiro das tintas rituais. O pai o leva de volta para os timbiras e pede que seja sacrificado, mas o índio luta e mata muitos inimigos, provando que não era covarde.
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo tupi.
Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci;
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.
Já vi cruas brigas,
De tribos imigas,
E as duras fadigas
Da guerra provei;
Nas ondas mendaces
Senti pelas faces
Os silvos fugaces
Dos ventos que amei.
Andei longes terras
Lidei cruas guerras,
Vaguei pelas serras
Dos vis Aimoréis;
Vi lutas de bravos,
Vi fortes - escravos!
De estranhos ignavos
Calcados aos pés.
E os campos talados,
E os arcos quebrados,
E os piagas coitados
Já sem maracás;
E os meigos cantores,
Servindo a senhores,
Que vinham traidores,
Com mostras de paz.
Ao velho coitado
De penas ralado,
Já cego e quebrado,
Que resta? - Morrer.
Enquanto descreve
O giro tão breve
Da vida que teve,
Deixai-me viver!
Aos golpes do imigo,
Meu último amigo,
Sem lar, sem abrigo
Caiu junto a mi!
Com plácido rosto,
Sereno e composto,
O acerbo desgosto
Comigo sofri.
Meu pai a meu lado
Já cego e quebrado,
De penas ralado,
Firmava-se em mi:
Nós ambos, mesquinhos,
Por ínvios caminhos,
Cobertos d’espinhos
Chegamos aqui!
O velho no entanto
Sofrendo já tanto
De fome e quebranto,
Só qu’ria morrer!
Não mais me contenho,
Nas matas me embrenho,
Das frechas que tenho
Me quero valer.
Então, forasteiro,
Caí prisioneiro
De um troço guerreiro
Com que me encontrei:
O cru dessossêgo
Do pai fraco e cego,
Enquanto não chego
Qual seja, - dizei!
Eu era o seu guia
Na noite sombria,
A só alegria
Que Deus lhe deixou:
Em mim se apoiava,
Em mim se firmava,
Em mim descansava,
Que filho lhe sou.
Não vil, não ignavo,
Mas forte, mas bravo,
Serei vosso escravo:
Aqui virei ter.
Guerreiros, não coro
Do pranto que choro:
Se a vida deploro,
Também sei morrer.
Conforme a proposta Romântica de idealizar a figura do índio, o personagem central demonstra honradez, bondade, amor filial e fidelidade a semelhança do cavaleiro medieval.
Pálida à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!
Era a virgem do mar, na escuma fria
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d'alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!
Era mais bela! o seio palpitando
Negros olhos as pálpebras abrindo
Formas nuas no leito resvalando
Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti - as noites eu velei chorando,
Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!
A descrição da mulher nos parece um cadáver (Pálida à luz da lâmpada sombria) deitada em um caixão (Sobre o leito de flores reclinada) e, talvez, morta por afogamento (Era a virgem do mar, na escuma fria / Pela maré das águas embalada!). No entanto, no decorrer da leitura, conforme a transição da noite para o dia (Pálida à luz da lâmpada sombria / Era um anjo entre nuvens d'alvorada ), percebemos que a mulher deitada não estava morta, mas apenas dormia (Negros olhos as pálpebras abrindo). Muito interessante perceber que o eu-lírico prefere contemplar a amada (Por ti - as noites eu velei chorando) a buscar a relação carnal com ela, percebendo que essa não-atitude beira o ridículo (Não te rias de mim, meu anjo lindo!).
Leremos um poema - Vagabundo - pertencente a segunda parte da Líra. Temas como a decadência, os vícios, os bêbados, as prostitutas e os andarilhos estarão presentes nessa parte.
Eu durmo e vivo ao sol como um cigano,
Fumando meu cigarro vaporoso;
Nas noites de verão adoro estrelas;
Sou pobre, sou mendigo e sou ditoso!
Ando roto, sem bolsos nem dinheiro;
Mas tenho na viola uma riqueza:
Canto à lua de noite serenatas,
E quem vive de amor não tem pobreza.
Tenho por meu palácio as longas ruas;
Passeio a gosto e durmo sem temores;
Quando bebo, sou rei como um poeta,
E o vinho faz sonhar com os amores.
O degrau das igrejas é meu trono,
Minha pátria é o vento que respiro,
Minha mãe é a lua macilenta,
E a preguiça a mulher por quem suspiro.
Escrevo na parede as minhas rimas,
De painéis a carvão adorno a rua;
Como as aves do céu e as flores puras
Abro meu peito ao sol e durmo à lua.
Boa noite, Maria! Eu vou-me embora.
A lua nas janelas bate em cheio...
Boa noite, Maria! É tarde... é tarde...
Não me apertes assim contra teu seio.
Boa noite!... E tu dizes – Boa noite.
Mas não digas assim por entre beijos...
Mas não me digas descobrindo o peito,
– Mar de amor onde vagam meus desejos.
Julieta do céu! Ouve.. a calhandra
já rumoreja o canto da matina.
Tu dizes que eu menti?... pois foi mentira...
...Quem cantou foi teu hálito, divina!
Se a estrela-d'alva os derradeiros raios
Derrama nos jardins do Capuleto,
Eu direi, me esquecendo d'alvorada:
"É noite ainda em teu cabelo preto..."
É noite ainda! Brilha na cambraia
– Desmanchado o roupão, a espádua nua –
o globo de teu peito entre os arminhos
Como entre as névoas se balouça a lua...
***
Gonçalves Dias (1823 - 1864)
Foi o principal poeta da primeira geração romântica. Compôs poesia lírica e poesia épica. Sobre o conteúdo, cantou a pátria, a natureza, o índio, o amor não correspondido e a religião. Foi o autor da poesia mais conhecida da literatura brasileira, A canção do Exílio:
Minha terra tem palmeiras,
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar sozinho, à noite
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que disfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Nesse poema encontramos temas que são constantes no Romantismo: a saudade da pátria, o nacionalismo, a valorização da natureza, a religiosidade, a superioridade da fauna e da flora brasileira sobre o de outras nações.
Vejamos a poesia lírica de Gonçalves Dias:
I Enfim te vejo! - enfim posso,
Curvado a teus pés, dizer-te,
Que não cessei de querer-te,
Pesar de quanto sofri.
Muito penei! Cruas ânsias,
Dos teus olhos afastado,
Houveram-me acabrunhado
A não lembrar-me de ti!
III
Louco, aflito, a saciar-me
D'agravar minha ferida,
Tomou-me tédio da vida,
Passos da morte senti;
Mas quase no passo extremo,
No último arcar da esperança,
Tu me vieste à lembrança:
Quis viver mais e vivi!
O eu-liríco, apesar do amor não correspondido, idealiza o objeto amoroso (2°) apesar de todo sofrimento causado pela amada. Ainda assim, ele prefere morrer (11°) a esquecê-la (8°), mas felizmente, (ou infelizmente, já que a amada lhe causa um sofrimento atroz), a lembrança da mulher o faz desejar viver (16°).
I-Juca-Pirama (o que há te morrer) é um poema épico de Gonçalves Dias. Vejamos resumidamente o enredo: um tupi é aprisionado pelos timbiras e será submetido e sacrificado em um ritual antropofágico. Sentimentos contraditórios o atinge: não tem medo da morte, mas quer viver por causa de seu velho pai. Acusam-no de covarde mas é libertado. Ao reencontrar seu pai, este percebe o cheiro das tintas rituais. O pai o leva de volta para os timbiras e pede que seja sacrificado, mas o índio luta e mata muitos inimigos, provando que não era covarde.
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo tupi.
Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci;
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.
Já vi cruas brigas,
De tribos imigas,
E as duras fadigas
Da guerra provei;
Nas ondas mendaces
Senti pelas faces
Os silvos fugaces
Dos ventos que amei.
Andei longes terras
Lidei cruas guerras,
Vaguei pelas serras
Dos vis Aimoréis;
Vi lutas de bravos,
Vi fortes - escravos!
De estranhos ignavos
Calcados aos pés.
E os campos talados,
E os arcos quebrados,
E os piagas coitados
Já sem maracás;
E os meigos cantores,
Servindo a senhores,
Que vinham traidores,
Com mostras de paz.
Ao velho coitado
De penas ralado,
Já cego e quebrado,
Que resta? - Morrer.
Enquanto descreve
O giro tão breve
Da vida que teve,
Deixai-me viver!
Meu último amigo,
Sem lar, sem abrigo
Caiu junto a mi!
Com plácido rosto,
Sereno e composto,
O acerbo desgosto
Comigo sofri.
Meu pai a meu lado
Já cego e quebrado,
De penas ralado,
Firmava-se em mi:
Nós ambos, mesquinhos,
Por ínvios caminhos,
Cobertos d’espinhos
Chegamos aqui!
O velho no entanto
Sofrendo já tanto
De fome e quebranto,
Só qu’ria morrer!
Não mais me contenho,
Nas matas me embrenho,
Das frechas que tenho
Me quero valer.
Então, forasteiro,
Caí prisioneiro
De um troço guerreiro
Com que me encontrei:
O cru dessossêgo
Do pai fraco e cego,
Enquanto não chego
Qual seja, - dizei!
Eu era o seu guia
Na noite sombria,
A só alegria
Que Deus lhe deixou:
Em mim se apoiava,
Em mim se firmava,
Em mim descansava,
Que filho lhe sou.
Não vil, não ignavo,
Mas forte, mas bravo,
Serei vosso escravo:
Aqui virei ter.
Guerreiros, não coro
Do pranto que choro:
Se a vida deploro,
Também sei morrer.
Conforme a proposta Romântica de idealizar a figura do índio, o personagem central demonstra honradez, bondade, amor filial e fidelidade a semelhança do cavaleiro medieval.
***
A segunda geração romântica, denominada Ultra-Romântica, foi uma geração de jovens poetas marcada pela desilusão, sem valores sociais ou nacionais. Eram individualistas, rejeitaram o indianismo e o nacionalismo da primeira geração. No plano do conteúdo, temas como bebida e vício, noite e morte, temas macabros e satânicos. Realçaram ainda mais o subjetivismo, o egocentrismo e o sentimentalismo. O tema amoroso foi marcado por antíteses de modo que ao mesmo tempo em que era desejado, também era temido, idealizado e assexuado, apesar do desejo carnal estar presente. A mulher era cobiçada, mas idealizada, incorpórea e associada a figuras como anjos, virgens, crianças etc; logo a mulher era um ser inalcançável.
Álvares de Azevedo (1831 - 1852)
O paulista Álvares de Azevedo cursou Direito (quinto ano) quando morre antes dos 21 anos devido a complicações decorrentes de uma queda de cavalo. Todos os seus escritos nos chegaram postumamente. Começou a escrever a partir dos 17 ou 18 anos poesia, prosa e teatro durante o curso universitário (4 anos) e por isso apresenta uma obra irregular, ainda assim é o poeta que melhor define a segunda geração.
Em a Lira dos vinte anos (1853), sua poética apresenta as faces de Ariel e Caliban (não por acaso, a Lira é dividida em três partes: a primeira e a terceira apresentam a face de Ariel, e a segunda a de Caliban). Esses dois personagens, Ariel e Caliban, pertencem a obra de Shakespeare, A tormenta, são representações dos vícios e das virtudes humanas. De um lado, Ariel (o equilíbrio, o bem e a harmonia; de outro, Caliban (o desequilíbrio, o mal e a desordem).
Vejamos primeiramente o poema Soneto publicado na primeira parte da Lira:
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!
Era a virgem do mar, na escuma fria
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d'alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!
Era mais bela! o seio palpitando
Negros olhos as pálpebras abrindo
Formas nuas no leito resvalando
Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti - as noites eu velei chorando,
Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!
A descrição da mulher nos parece um cadáver (Pálida à luz da lâmpada sombria) deitada em um caixão (Sobre o leito de flores reclinada) e, talvez, morta por afogamento (Era a virgem do mar, na escuma fria / Pela maré das águas embalada!). No entanto, no decorrer da leitura, conforme a transição da noite para o dia (Pálida à luz da lâmpada sombria / Era um anjo entre nuvens d'alvorada ), percebemos que a mulher deitada não estava morta, mas apenas dormia (Negros olhos as pálpebras abrindo). Muito interessante perceber que o eu-lírico prefere contemplar a amada (Por ti - as noites eu velei chorando) a buscar a relação carnal com ela, percebendo que essa não-atitude beira o ridículo (Não te rias de mim, meu anjo lindo!).
Leremos um poema - Vagabundo - pertencente a segunda parte da Líra. Temas como a decadência, os vícios, os bêbados, as prostitutas e os andarilhos estarão presentes nessa parte.
Esse era o cenário em que o "vagabundo" de Alvares de Azevedo devia circular. Largo da Sé (1862) visão a partir da Rua Direita com XV de Novembro. |
Fumando meu cigarro vaporoso;
Nas noites de verão adoro estrelas;
Sou pobre, sou mendigo e sou ditoso!
Ando roto, sem bolsos nem dinheiro;
Mas tenho na viola uma riqueza:
Canto à lua de noite serenatas,
E quem vive de amor não tem pobreza.
Tenho por meu palácio as longas ruas;
Passeio a gosto e durmo sem temores;
Quando bebo, sou rei como um poeta,
E o vinho faz sonhar com os amores.
O degrau das igrejas é meu trono,
Minha pátria é o vento que respiro,
Minha mãe é a lua macilenta,
E a preguiça a mulher por quem suspiro.
Escrevo na parede as minhas rimas,
De painéis a carvão adorno a rua;
Como as aves do céu e as flores puras
Abro meu peito ao sol e durmo à lua.
***
A terceira geração, influenciada pelo poeta francês Victor Hugo (1802 - 1885) por seu envolvimento em casos políticos e sociais, marca um período de maturidade no Romantismo. Foi uma geração que defendeu o abolicionismo e o republicanismo, ou seja, foram muitos diferentes das duas gerações anteriores, principalmente da segunda.
Chamada também de geração condoreira devido a metáfora do condor: assim como o poeta capaz de enxergar grandes espaços, o condor é uma ave solitária que efetua vôos altíssimos: o poeta se vê como um iluminado cuja função é orientar os outros homens.
Castro Alves (1847 - 1871)
Foi o poeta que marcou o período de transição entre o romantismo e o realismo: em lugar do nacionalismo ufanista, sua poesia terá posturas mais críticas e realistas. O ato amoroso não será idealizado ou platônico, ele será consumado. Logo a mulher deixa de ser um objeto a ser admirado, e passa a tomar atitudes mais ativas no relacionamento amoroso. Vejamos isso no poema Boa noite:
A lua nas janelas bate em cheio...
Boa noite, Maria! É tarde... é tarde...
Não me apertes assim contra teu seio.
Boa noite!... E tu dizes – Boa noite.
Mas não digas assim por entre beijos...
Mas não me digas descobrindo o peito,
– Mar de amor onde vagam meus desejos.
Julieta do céu! Ouve.. a calhandra
já rumoreja o canto da matina.
Tu dizes que eu menti?... pois foi mentira...
...Quem cantou foi teu hálito, divina!
Se a estrela-d'alva os derradeiros raios
Derrama nos jardins do Capuleto,
Eu direi, me esquecendo d'alvorada:
"É noite ainda em teu cabelo preto..."
É noite ainda! Brilha na cambraia
– Desmanchado o roupão, a espádua nua –
o globo de teu peito entre os arminhos
Como entre as névoas se balouça a lua...
"Boa noite" é uma poesia erótica. O amante deseja ir embora porque a noite surge, mas a mulher, apertando-o contra o seio, não o deixa partir. Ela se despede do amante entre beijos e desnudando-se. Nesse embate amoroso, a manhã surge e o amante acaba por desistir de ir embora e quando finalmente amanhece é o amante que diz que ainda é noite nos cabelos negros da mulher. O poema termina com a descrição da mulher nua diante do amante.
Castro Alves é mais conhecido pela sua poesia social: defendeu a abolição, principalmente por meio do poema Navio negreiro (1868), índice da influência do Romantismo: esse poema não teve a preocupação de escrever sobre a realidade imediata da época porque a Lei Eusébio de Queiroz (proibição do tráfico negreiro) entrara em vigor mais de dez anos antes (1850). É um poema com temas hiperbólicos: o mar, o céu, o infinito, o deserto.
Era um sonho dantesco... O tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho,
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar do açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras, moças... mas nuas, espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs.
E ri-se a orquestra, irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Se o velho arqueja... se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece...
Outro, que de martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!
No entanto o capitão manda a manobra
E após, fitando o céu que se desdobra
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da roda fantástica a serpente
Faz doudas espirais!
Qual num sonho dantesco as sombras voam...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!...
O poema apresenta, por meio da cor do som e do movimento, o sofrimento causado aos negros pelo transporte nos navios negreiros. O poema contrasta o vermelho do sangue nas peles negras das pessoas. O movimento do chicote comparado ao da serpente. A contorção de dor, que o poeta chama de dança, provocada pelo chicote. O capitão que o poema denomina como regente dessa música de dor miserável e paradoxalmente, o espaço onde essa cena ocorre: sobre a pureza do céu e do mar. Ao que parece entre esses espaços, o navio que seria um pedaço do inferno.