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sábado, 25 de março de 2017

Curso de Literatura - parte 2 - O Romantismo , a poesia

Vamos estudar o Romantismo em duas partes, poesia e prosa. As duas são igualmente importantes e tiveram ótimos escritores. A publicação de Suspiros poéticos e saudades (1836) de Gonçalves de Magalhães (1811 - 1882) é marcada como o nascimento do Romantismo no Brasil. 

A história do Brasil e o Romantismo confundem-se. Com a possibilidade das tropas francesas de Napoleão tomar Portugal que não tinha condições militares de resistir a invasão. A Corte portuguesa decide, com a ajuda dos ingleses, mudar a Família Real Portuguesa ao Brasil (1808). Com isso o Brasil deixa de ser colônia e obtem o status de Reino Unido a Portugal e Algarves. Muito bom para o Brasil que agora pode ter uma impressa que irá publicar jornais e livros criando, finalmente, um público leitor.


Dona Maria I, (a Louca), foi com D. João, os dois únicos soberanos do Reino Unido do Brasil, Portugal e Algarves
Após a Independência de Portugal (1822), nossos intelectuais e escritores sentem a necessidade de "criar" uma história e, principalmente, uma cultura brasileira. A independência política não era suficiente, por isso, nossos autores buscaram estabelecer nossas raízes históricas, linguísticas e culturais, ainda que muitas dessas coisas tenham sido buscadas no plano da ficção. Além de independência politica, nossos poetas e prosistas desejaram a independência literária de Portugal e dos valores clássicos.

A independência ideológica ocorreu principalmente por meio do nacionalismo ufanista das obras de nossos autores. Por falta de uma idade média, que representasse os valores individuais e nacionais da nação recém-independente, os escritores escolheram o índio como substituto aos valores que cavaleiro medieval representou no Romantismo Europeu. Podemos destacar também o regionalismo, a pesquisa histórica, o folclore e a tentativa de reproduzir uma língua brasileira, que serão mais evidentes na prosa do que na poesia, como características do romantismo.

* * *

As gerações românticas são classificadas principalmente pela poesia, já que um mesmo prosista pode possuir as características das três gerações a seguir: a primeira geração é definida pelo nacionalismo, pelo indianismo e pela religiosidade; a segunda geração é caracterizada pelo egocentrismo, pelo pessimismo, pelo satanismo e pelo tema constante da morte; finalmente a terceira geração é marcada pela consciência nacional e social.

***

Gonçalves Dias (1823 - 1864)
Foi o principal poeta da primeira geração romântica. Compôs poesia lírica e poesia épica. Sobre o conteúdo, cantou a pátria, a natureza, o índio, o amor não correspondido e a religião. Foi o autor da poesia mais conhecida da literatura brasileira, A canção do Exílio:

Minha terra tem palmeiras, 
Onde canta o Sabiá; 
As aves, que aqui gorjeiam, 
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas, 
Nossas várzeas têm mais flores, 
Nossos bosques têm mais vida, 
Nossa vida mais amores.

Em  cismar, sozinho, à noite, 
Mais prazer eu encontro lá; 
Minha terra tem palmeiras, 
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores, 
Que tais não encontro eu cá; 
Em cismar sozinho, à noite
Mais prazer eu encontro lá; 
Minha terra tem palmeiras, 
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra, 
Sem que eu volte para lá; 
Sem que disfrute os primores 
Que não encontro por cá; 
Sem qu'inda aviste as palmeiras, 
Onde canta o Sabiá.   

Nesse poema encontramos temas que são constantes no Romantismo: a saudade da pátria, o nacionalismo, a valorização da natureza, a religiosidade, a superioridade da fauna e da flora brasileira sobre o de outras nações. 

Vejamos a poesia lírica de Gonçalves Dias:
                 
Enfim te vejo! - enfim posso, 
Curvado a teus pés, dizer-te, 
Que não cessei de querer-te, 
Pesar de quanto sofri. 
Muito penei! Cruas ânsias, 
Dos teus olhos afastado, 
Houveram-me acabrunhado 
A não lembrar-me de ti! 
                III 
Louco, aflito, a saciar-me 
D'agravar minha ferida, 
Tomou-me tédio da vida, 
Passos da morte senti; 
Mas quase no passo extremo, 
No último arcar da esperança, 
Tu me vieste à lembrança: 
Quis viver mais e vivi! 

O eu-liríco, apesar do amor não correspondido, idealiza o objeto amoroso (2°) apesar de todo sofrimento causado pela amada. Ainda assim, ele prefere morrer (11°) a esquecê-la (8°), mas felizmente, (ou infelizmente, já que a amada lhe causa um sofrimento atroz), a lembrança da mulher o faz desejar viver (16°).

I-Juca-Pirama (o que há te morrer) é um poema épico de Gonçalves Dias. Vejamos resumidamente o enredo: um tupi é aprisionado pelos timbiras e será submetido e sacrificado em um ritual antropofágico. Sentimentos contraditórios o atinge: não tem medo da morte, mas quer viver por causa de seu velho pai. Acusam-no de covarde mas é libertado. Ao reencontrar seu pai, este percebe o cheiro das tintas rituais. O pai o leva de volta para os timbiras e pede que seja sacrificado, mas o índio luta e mata muitos inimigos, provando que não era covarde.

 Meu canto de morte, 
Guerreiros, ouvi: 
Sou filho das selvas, 
Nas selvas cresci; 
Guerreiros, descendo 
Da tribo tupi.

Da tribo pujante, 
Que agora anda errante 
Por fado inconstante, 
Guerreiros, nasci; 
Sou bravo, sou forte, 
Sou filho do Norte; 
Meu canto de morte, 
Guerreiros, ouvi.

Já vi cruas brigas, 
De tribos imigas, 
E as duras fadigas 
Da guerra provei; 
Nas ondas mendaces 
Senti pelas faces 
Os silvos fugaces 
Dos ventos que amei.

Andei longes terras 
Lidei cruas guerras, 
Vaguei pelas serras 
Dos vis Aimoréis; 
Vi lutas de bravos, 
Vi fortes - escravos! 
De estranhos ignavos 
Calcados aos pés.

E os campos talados, 
E os arcos quebrados, 
E os piagas coitados 
Já sem maracás; 
E os meigos cantores, 
Servindo a senhores, 
Que vinham traidores, 
Com mostras de paz.

Ao velho coitado 
De penas ralado, 
Já cego e quebrado, 
Que resta? - Morrer. 
Enquanto descreve 
O giro tão breve 
Da vida que teve, 
Deixai-me viver!

Aos golpes do imigo, 
Meu último amigo, 
Sem lar, sem abrigo 
Caiu junto a mi! 
Com plácido rosto, 
Sereno e composto, 
O acerbo desgosto 
Comigo sofri.

Meu pai a meu lado 
Já cego e quebrado, 
De penas ralado, 
Firmava-se em mi: 
Nós ambos, mesquinhos, 
Por ínvios caminhos, 
Cobertos d’espinhos 
Chegamos aqui!

O velho no entanto 
Sofrendo já tanto 
De fome e quebranto, 
Só qu’ria morrer! 
Não mais me contenho, 
Nas matas me embrenho, 
Das frechas que tenho 
Me quero valer.

Então, forasteiro, 
Caí prisioneiro 
De um troço guerreiro 
Com que me encontrei: 
O cru dessossêgo 
Do pai fraco e cego, 
Enquanto não chego 
Qual seja, - dizei!

Eu era o seu guia 
Na noite sombria, 
A só alegria 
Que Deus lhe deixou: 
Em mim se apoiava, 
Em mim se firmava, 
Em mim descansava, 
Que filho lhe sou.

Não vil, não ignavo, 
Mas forte, mas bravo, 
Serei vosso escravo: 
Aqui virei ter. 
Guerreiros, não coro 
Do pranto que choro: 
Se a vida deploro, 
Também sei morrer.

Conforme a proposta Romântica de idealizar a figura do índio, o personagem central demonstra honradez, bondade, amor filial e fidelidade a semelhança do cavaleiro medieval.

***

A segunda geração romântica, denominada Ultra-Romântica, foi uma geração de jovens poetas marcada pela desilusão, sem valores sociais ou nacionais. Eram individualistas, rejeitaram o indianismo e o nacionalismo da primeira geração. No plano do conteúdo, temas como bebida e vício, noite e morte, temas macabros e satânicos. Realçaram ainda mais o subjetivismo, o egocentrismo e o sentimentalismo. O tema amoroso foi marcado por antíteses de modo que ao mesmo tempo em que era desejado, também era temido, idealizado e assexuado, apesar do desejo carnal estar presente. A mulher era cobiçada, mas idealizada, incorpórea e associada a figuras como anjos, virgens, crianças etc; logo a mulher era um ser inalcançável. 

Álvares de Azevedo (1831 - 1852)
O paulista Álvares de Azevedo cursou Direito (quinto ano) quando morre antes dos 21 anos devido a complicações decorrentes de uma queda de cavalo. Todos os seus escritos nos chegaram postumamente. Começou a escrever a partir dos 17 ou 18 anos poesia, prosa e teatro durante o curso universitário (4 anos) e por isso apresenta uma obra irregular, ainda assim é o poeta que melhor define a segunda geração.

Em a Lira dos vinte anos (1853), sua poética apresenta as faces de Ariel e Caliban (não por acaso, a Lira é dividida em três partes: a primeira e a terceira apresentam a face de Ariel, e a segunda a de Caliban). Esses dois personagens, Ariel e Caliban, pertencem a obra de Shakespeare, A tormenta, são representações dos vícios e das virtudes humanas. De um lado, Ariel (o equilíbrio, o bem e a harmonia; de outro, Caliban (o desequilíbrio, o mal e a desordem). 

Vejamos primeiramente o poema Soneto publicado na primeira parte da Lira:

Pálida à luz da lâmpada sombria, 
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!

Era a virgem do mar, na escuma fria
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d'alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!

Era mais bela! o seio palpitando
Negros olhos as pálpebras abrindo
Formas nuas no leito resvalando

Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti - as noites eu velei chorando,

Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!

A descrição da mulher nos parece um cadáver (Pálida à luz da lâmpada sombria) deitada em um caixão (Sobre o leito de flores reclinada) e, talvez, morta por afogamento (Era a virgem do mar, na escuma fria / Pela maré das águas embalada!). No entanto, no decorrer da leitura, conforme a transição da noite para o dia (Pálida à luz da lâmpada sombria / Era um anjo entre nuvens d'alvorada ), percebemos que a mulher deitada não estava morta, mas apenas dormia (Negros olhos as pálpebras abrindo). Muito interessante perceber que o eu-lírico prefere contemplar a amada (Por ti - as noites eu velei chorando) a buscar a relação carnal com ela, percebendo que essa não-atitude beira o ridículo (Não te rias de mim, meu anjo lindo!).

Leremos um poema - Vagabundo - pertencente a segunda parte da Líra. Temas como a decadência, os vícios, os bêbados, as prostitutas e os andarilhos estarão presentes nessa parte.

Esse era o  cenário em que o "vagabundo" de Alvares de Azevedo
devia circular.  Largo da Sé (1862)  visão a partir da Rua Direita com
XV de Novembro.
Eu durmo e vivo ao sol como um cigano, 
Fumando meu cigarro vaporoso; 
Nas noites de verão adoro estrelas; 
Sou pobre, sou mendigo e sou ditoso! 

Ando roto, sem bolsos nem dinheiro; 
Mas tenho na viola uma riqueza: 
Canto à lua de noite serenatas, 
E quem vive de amor não tem pobreza. 

Tenho por meu palácio as longas ruas; 
Passeio a gosto e durmo sem temores; 
Quando bebo, sou rei como um poeta, 
E o vinho faz sonhar com os amores. 



O degrau das igrejas é meu trono, 
Minha pátria é o vento que respiro, 
Minha mãe é a lua macilenta, 
E a preguiça a mulher por quem suspiro. 

Escrevo na parede as minhas rimas, 
De painéis a carvão adorno a rua; 
Como as aves do céu e as flores puras 
Abro meu peito ao sol e durmo à lua. 


***

A terceira geração, influenciada pelo poeta francês Victor Hugo (1802 - 1885) por seu envolvimento em casos políticos e sociais, marca um período de maturidade no Romantismo. Foi uma geração que defendeu o abolicionismo e o republicanismo, ou seja, foram muitos diferentes das duas gerações anteriores, principalmente da segunda.

Chamada também de geração condoreira devido a metáfora do condor: assim como o poeta capaz de enxergar grandes espaços, o condor é uma ave solitária que efetua vôos altíssimos: o poeta se vê como um iluminado cuja função é orientar os outros homens.

Castro Alves (1847 - 1871)
Foi o poeta que marcou o período de transição entre o romantismo e o realismo: em lugar do nacionalismo ufanista, sua poesia terá posturas mais críticas e realistas. O ato amoroso não será idealizado ou platônico, ele será consumado. Logo a mulher deixa de ser um objeto a ser admirado, e passa a tomar atitudes mais ativas no relacionamento amoroso. Vejamos isso no poema Boa noite:

Boa noite, Maria! Eu vou-me embora.
A lua nas janelas bate em cheio...
Boa noite, Maria! É tarde... é tarde...
Não me apertes assim contra teu seio.

Boa noite!... E tu dizes – Boa noite.
Mas não digas assim por entre beijos...
Mas não me digas descobrindo o peito,
– Mar de amor onde vagam meus desejos.

Julieta do céu! Ouve.. a calhandra 
já rumoreja o canto da matina.
Tu dizes que eu menti?... pois foi mentira... 
...Quem cantou foi teu hálito, divina!

Se a estrela-d'alva os derradeiros raios
Derrama nos jardins do Capuleto,
Eu direi, me esquecendo d'alvorada:
"É noite ainda em teu cabelo preto..."

É noite ainda! Brilha na cambraia
– Desmanchado o roupão, a espádua nua –
o globo de teu peito entre os arminhos

Como entre as névoas se balouça a lua...

"Boa noite" é uma poesia erótica. O amante deseja ir embora porque a noite surge, mas a mulher, apertando-o contra o seio, não o deixa partir. Ela se despede do amante entre beijos e desnudando-se. Nesse embate amoroso, a manhã surge e o amante acaba por desistir de ir embora e quando finalmente amanhece é o amante que diz que ainda é noite nos cabelos negros da mulher. O poema termina com a descrição da mulher nua diante do amante.

Castro Alves é mais conhecido pela sua poesia social: defendeu a abolição, principalmente por meio do poema Navio negreiro (1868), índice da influência do Romantismo: esse poema não teve a preocupação de escrever sobre a realidade imediata da época porque a Lei Eusébio de Queiroz (proibição do tráfico negreiro) entrara em vigor mais de dez anos antes (1850). É um poema com temas hiperbólicos: o mar, o céu, o infinito, o deserto. 

Era um sonho dantesco... O tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho,
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar do açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...

Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras, moças... mas nuas, espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs.

E ri-se a orquestra, irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Se o velho arqueja... se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...

Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece...
Outro, que de martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!

No entanto o capitão manda a manobra
E após, fitando o céu que se desdobra
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."

E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da roda fantástica a serpente
Faz doudas espirais!
Qual num sonho dantesco as sombras voam...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!...

O poema apresenta, por meio da cor do som e do movimento, o sofrimento causado aos negros pelo transporte nos navios negreiros. O poema contrasta o vermelho do sangue nas peles negras das pessoas. O movimento do chicote comparado ao da serpente. A contorção de dor, que o poeta chama de dança, provocada pelo chicote. O capitão que o poema denomina como regente dessa música de dor miserável e paradoxalmente, o espaço onde essa cena ocorre: sobre a pureza do céu e do mar. Ao que parece entre esses espaços, o navio que seria um pedaço do inferno.

sexta-feira, 17 de março de 2017

Gêneros textuais não literários

Com o propósito de facilitar a vida do candidato a uma vaga universitária por meio do Enem, vou apresentar alguns gêneros textuais não literários para que ele, durante a prova, não cometa o equívoco de utilizar um tipo textual no lugar de outro durante a prova de redação. 

A princípio devemos diferenciar um texto literário de um texto não literário. A literatura é a expressão da realidade, o modo como o autor literário enxerga o mundo e a sociedade que o cerca. 
Um texto literário  é subjetivo e conotativo. O autor atribui sentidos diversos às palavras e deseja que o leitor as interprete. Chamamos a conotação de linguagem figurada e plurissignificada. Veja como Chico Buarque atribui diversas significações a palavra cálice.

Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta

De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta

Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice

De vinho tinto de sangue
Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado

Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa

Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

De muito gorda a porca já não anda
De muito usada a faca já não corta
Como é difícil, pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo

De que adianta ter boa vontade
Mesmo calado o peito, resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade

Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Talvez o mundo não seja pequeno
Nem seja a vida um fato consumado

Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça

Minha cabeça perder teu juízo
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
Me embriagar até que alguém me esqueça

A palavra denotativamente refere-se ao objeto em que o vinho é posto. Intertextualmente, a palavra leva o leitor até o texto bíblico que está em Lucas 22:42 onde relata a agonia de Jesus ao saber que seu destino já estava traçado. Conotativamente, a palavra pode ser interpretada como o imperativo do verbo calar: cale-se! Contextualmente o cale-se, ao período em que os autores consideram os anos de 1964 a 1985, o período militar, como anos de exceção e de restrição ao pensamento e às palavras.  
Por outro lado o texto não literário  deve ser objetivo e denotativo. A palavra denotativa expressa aquilo que é e não precisa ser interpretada a semelhança da conotação, porque o texto não literário irá tentar esclarecer o leitor sobre alguma coisa.

Os gêneros não literários também podem ser classificados conforme sua função social, quer dizer que eles serão classificados conforme o uso que as pessoas fazem dele. Para que serve uma carta, uma entrevista, uma bula, um texto escolar etc.

Comecemos pelos narrativos. A notícia procura narrar um fato que foge do comum, aquilo que as pessoas querem ou tem o desejo de saber, o que atrai e afeta a vida das pessoas ou o que as pessoas gostariam de contar. É a comunicação de um fato novo e que desperta o interesse do público. É um texto narrativo composto de duas partes: lead (que contém a parte mais importante e deve responder às seis perguntas: quem, onde, quando, o quê, como, por quê?) e corpo (o detalhamento da lead que pode ser escrito cronologicamente ou em ordem de importância. O título deve ser objetivo e chamar a atenção do leitor. A linguagem deve ser impessoal, clara, precisa, objetiva, direta e usar a norma padrão. Abaixo temos um exemplo de lide


Ministro estuda anistia a multas
O ministro José Carlos Dias (Justiça) defendeu ontem uma revisão geral do Código de Trânsito Brasileiro, que entrou em vigor há 19 meses. Ele não descartou uma anistia para os motoristas que estão com sua carteira suspensa por terem atingindo 20 pontos - o Governo já anunciou que enviará ao Congresso projeto que eleva essa margem para 30 pontos.
O ministro admitiu ainda a hipótese de reduzir o valor das multas previstas no código. Segundo Dias, o custo elevado das infrações serve como "incentivo para que o policial peça dinheiro para não multar".

José Roberto Dias, diretor do Denatran na época da implantação do código, disse que a proposta "demonstra falta de sensibilidade social". (pág. 1 e 3-1)

Relato pessoal também é uma narrativa em que alguém conta um episódio importante de sua vida. o leitor encontrará nesse gênero textual  personagens, enredos, tempo e lugar. As seis perguntas básicas deverão estar presentes: quem, onde, quando, o quê, como, por quê? O narrador,por ser um relato pessoal, geralmente será o protagonista. O relato deverá ser verídico, ou seja, verdadeiro. Verbos e pronomes em 1° pessoa e o tempo será provavelmente o pretérito. É um relato subjetivo, pois as reflexões são feitas conforme a visão do narrador. Poderá haver diálogos e descrição.

Criança não gosta de mudar de casa. Assim, com o meu coração apertado recebi a notícia de que íamos para Brasília. Eu nunca tinha ouvido falar nessa cidade, Brasília, jamais tinha escutado esse nome, e fiquei sabendo que a cidade ainda nem existia.

Entrevista é um texto do genero expositivo se for a entrevista de um especialista. Pode ser realizada pessoalmente ou à distância. O repórter deve possuir dados sobre o entrevistado e uma pauta sobre as perguntas que serão realizadas. As perguntas podem ser pré-acordadas entre as partes. Por convenção, o nome por extenso aparece somente nas primeiras falas e após, somente o primeiro nome ou abreviação


Entrevistador:  Muitos dizem que o gosto dos jovens pela leitura é um desafio.
Chartier: Certamente. Mas é papel da escola incentivar a relação dos alunos com um patrimônio cultural cujos textos servem de base para pensar a relação consigo mesmo, com os outros e o mundo. É preciso tirar proveito das novas possibilidades do mundo eletrônico e ao mesmo tempo entender a lógica de outro tipo de produção escrita que traz ao leitor instrumentos para pensar e viver melhor.


O escritor do texto descritivo diz como algo é. A classe gramatical mais usada é o adjetivo por sua função caracterizadora. Em relação aos tempos verbais, o presente será o mais usado, porque no texto não existirá a noção de anterioridade ou posteridade. Ainda sobre o verbo, ele será de ligação. A descrição pode variar conforme o ponto de vista do autor, logo os traços físicos de um ser, um objeto ou um lugar; os traços morais, emocionais, espirituais de um ser poderão variar conforme o autor se colocar diante do objeto. O texto descritivo poderá ser objetivo ou subjetivo. Uma descrição técnica ou científíca será objetiva, exata e dimensional, já uma descrição subjetiva irá privilegiar o estado de espírito, as preferências e juízos de valor do autor.

Farás uma arca de madeira de acácia com dois côvados e meio de comprimento, um côvado e meio de largura e um côvado e meio de altura.11 Tu a cobrirás de ouro por dentro e por fora, e farás sobre ela uma moldura de ouro ao redor.Fundirás para ela quatro argolas de ouro que porás nos quatro cantos da arca....” (Êxodo 21,10-12) Bíblia de Jerusalém

Um texto injuntivo explica como o leitor deve realizar algo. As bulas, as receitas e os manuais são textos característicos desse gênero textual. Linguisticamente, os verbos no imperativo serão sua principal características.

01 – Tenha em mente a estrutura textual
02 – Informe-se
03 – Elabore um título pertinente
04 – Posicione-se e não generalize a sua opinião
05 – Seja coerente
06 – Fique atento quanto à gramática
07 – Revise o seu texto

Quando o leitor quer se instruir ele provavelmente irá pesquisar um dicionário, um livro didático, um texto escrito por algum especialista de uma área do conhecimento. Todos esses textos podem ser classificados como textos do gênero expositivo que é aquele que ensina alguém sobre algo. A função do gênero expositivo é transmitir o conhecimento humano. Esse gênero é muito importante porque ele que irá dar suporte para as argumentações do texto dissertativo


O texto expositivo apresenta informações sobre um objeto ou fato específico, sua descrição e a enumeração de suas características. Esse deve permitir que o leitor identifique, claramente, o tema central do texto.

O texto dissertativo, por meio dos argumentos que o leitor buscou em algum texto pertencente no gênero expositivo, tentará convencer o leitor. O texto deverá ser objetivo e denotativo. Nesse gênero, o autor analisa e interpreta os fatos baseados em dados científicos ou lógicos que dará suporte para os argumentos.

Algumas nações estão admitindo o critério biopsicológico para os casos de crimes violentos praticados por jovens, abrangendo uma faixa etária intermediária, por exemplo, de 14 a 18 anos ou de 12 a 18 anos. Neste espectro se faz uma avaliação para saber se esse jovem pode ou não responder por sua conduta, desde que entenda o caráter criminoso do seu comportamento. Diante dessa tendência mundial, o sistema etário da legislação brasileira precisaria ser debatido ,com equilíbrio e cautela, assim como a possível adoção do critério biopsicológico.

sexta-feira, 10 de março de 2017

Curso de Literatura - parte 1 - O Modernismo, primeira fase

Moderno é, segundo Alfredo Bosi, tudo aquilo que possa incluir os fatores internos das obras literárias: os motivos, os temas e os mitos modernos, masnem tudo que se produziu no período pode ser considerado moderno: os idealizadores da Semana ainda estavam influenciados pela estética do passado:
Teus olhos são loiros vitrais, 
teus frêmitos lembram repiques de sinos,
teus braços as asas de anjos divinos...

Estende como uma ara teu corpo: teu ventre
É um zimbório de mármore
Onde fulge estrela...
(Menotti del Picchia)

Grande parte dos escritores modernistas do Brasil estiveram na Europa absorvendo as inovações estéticas que lá se produziram: em Paris, Oswald conheceu o Futurismo, Bandeira conhecera o Neo-Simbolismo.

Alguns estudiosos consideram o início do Modernismo a partir da Semana de Arte Moderna no ano de 1922. Mas cinco anos antes, ocorria a famosa polêmica entre Monteiro Lobato (1882 - 1948) e a pintora Anita Malfatti (1889 - 1964), influenciada pelo Cubismo e Expressionismo.  

Publicado no jornal O Estado de São Paulo, em 1917, o artigo de Lobato, "Paranoia ou mistificação", afirmava que  "a arte era o resultado de uma visão normal das coisas"  por outro lado, a arte que é moderna e que é também divulgada pela imprensa, a fim de ser "consumida por americanos malucos" "é o resultado de uma visão distorcida da vida" "e produto de um universo alterado ou de um cérebro lesado". Lobato considerava que a arte deveria ser regida por princípios rígidos e leis  fundamentais, independentemente do espaço e do tempo. Esse artigo trouxe consequências negativas para a vida pessoal e profissional para Malfatti. Por outro lado, foi o estopim para que artistas brasileiros de todas as regiões se unissem em defessa a pintora, resultando anos depois na Semana de Arte Moderna. 



Lobato considerava que a arte era o resultado uma visão normal ou adulterada da vida. Nas imagens acima, temos Malfatti e Rembrandt.


A Semana de Arte Moderna ocorreu entre os dias 13 e 18 de fevereiro de 1922. Houve nesses dias conferências, leituras de poemas, danças e músicas. Mas, a principal evento foi a leitura do poema "Os sapos" de Manuel Bandeira (1886 - 1968), dividindo o público entre os que aplaudiam e os que vaiavam, relinchavam e aplaudiam. O Poema era uma crítica bem-humorada a poesia parnasiana: 

Os Sapos
Enfunando os papos, 
Saem da penumbra, 

Aos pulos, os sapos. 

A luz os deslumbra. 


Em ronco que aterra, 
Berra o sapo-boi: 
- "Meu pai foi à guerra!" 
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!". 

O sapo-tanoeiro, 
Parnasiano aguado, 
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado. 

Vede como primo 
Em comer os hiatos! 
Que arte! E nunca rimo 
Os termos cognatos. 

O meu verso é bom 
Frumento sem joio. 
Faço rimas com 
Consoantes de apoio. 

Vai por cinquüenta anos 
Que lhes dei a norma: 
Reduzi sem danos 
A fôrmas a forma. 

Clame a saparia 
Em críticas céticas:
Não há mais poesia, 
Mas há artes poéticas..." 

Urra o sapo-boi: 
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!" 
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!". 

Brada em um assomo 
O sapo-tanoeiro: 
- A grande arte é como 
Lavor de joalheiro. 

Ou bem de estatuário. 
Tudo quanto é belo, 
Tudo quanto é vário, 
Canta no martelo". 

Outros, sapos-pipas 
(Um mal em si cabe), 
Falam pelas tripas, 
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!". 

Longe dessa grita, 
Lá onde mais densa 
A noite infinita 
Veste a sombra imensa; 

Lá, fugido ao mundo, 
Sem glória, sem fé, 
No perau profundo 
E solitário, é 

Que soluças tu, 
Transido de frio, 
Sapo-cururu 
Da beira do rio...  

 Analisando o poema de Bandeira percebemos que ele ironicamente faz  uso excessivo de vocábulos eruditos, critica o projeto  parnasiano (da 3° a 6° estrofe) e a frieza do parnasianismo que reduziu a poesia a um método (7°). E na última estrofe, surge um dos elementos principais que constituira o Modernismo a união da cultura popular (as cantigas de roda) às teses vanguardistas. "Os sapos" se assemelha muito em alguns trechos a um poema parnasiano muito conhecido da literatura brasileira: "Profissão de Fé" de Olavo Bilac:



Não quero o Zeus Capitolino
Hercúleo e belo,
Talhar no mármore divino 
Com o camartelo.

Que outro - não eu! - a pedra corte 
Para, brutal,
Erguer de Atene o altivo porte 
Descomunal.

Mais que esse vulto extraordinário, 
Que assombra a vista,
Seduz-me um leve relicário 
De fino artista.

Invejo o ourives quando escrevo:
Imito o amor
Com que ele, em ouro, o alto relevo 
Faz de uma flor.

Imito-o. E, pois, nem de Carrara 
A pedra firo:
O alvo cristal, a pedra rara, 
O ônix prefiro.

Por isso, corre, por servir-me, 
Sobre o papel
A pena, como em prata firme 
Corre o cinzel.

Corre; desenha, enfeita a imagem, 
A idéia veste:
Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem 
Azul-celeste.

Torce, aprimora, alteia, lima 
A frase; e, enfim, 
No verso de ouro engasta a rima, 
Como um rubim.

Quero que a estrofe cristalina, 
Dobrada ao jeito 
Do ourives, saia da oficina 
Sem um defeito:

E que o lavor do verso, acaso, 
Por tão subtil,
Possa o lavor lembrar de um vaso 
De Becerril.

E horas sem conto passo, mudo, 
O olhar atento,
A trabalhar, longe de tudo 
O pensamento.

Porque o escrever - tanta perícia, 
Tanta requer,
Que oficio tal... nem há notícia 
De outro qualquer.

Assim procedo. Minha pena 
Segue esta norma,
Por te servir, Deusa serena, 
Serena Forma!

Deusa! A onda vil, que se avoluma 
De um torvo mar,
Deixa-a crescer; e o lodo e a espuma 
Deixa-a rolar!

Blasfemo> em grita surda e horrendo 
Ímpeto, o bando
Venha dos bárbaros crescendo, 
Vociferando...

Deixa-o: que venha e uivando passe
- Bando feroz!
Não se te mude a cor da face 
E o tom da voz!

Olha-os somente, armada e pronta, 
Radiante e bela:
E, ao braço o escudo> a raiva afronta 
Dessa procela!

Este que à frente vem, e o todo 
Possui minaz
De um vândalo ou de um visigodo, 
Cruel e audaz;

Este, que, de entre os mais, o vulto 
Ferrenho alteia,
E, em jato, expele o amargo insulto 
Que te enlameia:

É em vão que as forças cansa, e â luta 
Se atira; é em vão
Que brande no ar a maça bruta 
A bruta mão.

Não morrerás, Deusa sublime! 
Do trono egrégio
Assistirás intacta ao crime 
Do sacrilégio.

E, se morreres por ventura, 
Possa eu morrer
Contigo, e a mesma noite escura 
Nos envolver!

Ah! ver por terra, profanada, 
A ara partida
E a Arte imortal aos pés calcada, 
Prostituída!...

Ver derribar do eterno sólio 
O Belo, e o som
Ouvir da queda do Acropólio, 
Do Partenon!...

Sem sacerdote, a Crença morta 
Sentir, e o susto
Ver, e o extermínio, entrando a porta 
Do templo augusto!...

Ver esta língua, que cultivo, 
Sem ouropéis,
Mirrada ao hálito nocivo 
Dos infiéis!...

Não! Morra tudo que me é caro, 
Fique eu sozinho!
Que não encontre um só amparo 
Em meu caminho!

Que a minha dor nem a um amigo 
Inspire dó...
Mas, ah! que eu fique só contigo, 
Contigo só!

Vive! que eu viverei servindo 
Teu culto, e, obscuro,
Tuas custódias esculpindo 
No ouro mais puro.

Celebrarei o teu oficio 
No altar: porém,
Se inda é pequeno o sacrifício, 
Morra eu também!

Caia eu também, sem esperança, 
Porém tranqüilo,
Inda, ao cair, vibrando a lança, 
Em prol do Estilo!

A Semana teve pouca repercussão na época, mas com o passar do tempo foi ganhado importância histórica. O leitor comum ainda preferia a poesia Parnasiana ou autores regionais como Cornélio Pires, Paulo Setúbal ou Catulo da paixão Cearense. O resultado da Semana foi (i) conseguir representar todas as tendências que ocorriam na arte e na cultura e (ii) aproximar os artistas dispersos  em torno de uma causa comum.

A primeira fase do Modernismo foi caracterizada pela tentativa de solidificar o movimento literário. Assim, no plano do conteúdo, teve uma proposta nacionalista: a reconstrução da cultura brasileira por meio de uma nova leitura, critica ao passado histórico e às tradições culturais (o Modernismo, ao contrário do Romantismo, não idealizam o passado e a cultura) e o desapego aos valores estrangeiros e o consequente fim do complexo de colonizado. E no plano da forma, a defesa da liberdade formal: o verso livre, as rupturas sintáticas, a escrita automática.

Ideologicamente, a primeira fase do Modernismo é dividida em dois grupos: o Antropofágico e o Pau-Brasil é ligado ao comunismo e socialismo, já o Verde-amarelismo ou Escola da Anta ao fascismo (Aceitamos todas as instituições conservadoras, pois é dentro delas que faremos a inevitável renovação do Brasil). A Escola da Anta ou Verde-amarelo defendia um nacionalismo ufanista, criticava  a influência estrangeira excessiva (Estávamos e estamos fartos da Europa e proclamamos sem cessar a liberdade de ação brasileira) e criticavam a teorização da literatura (Há sete anos que a literatura brasileira está em discussão. Procuremos escrever sem espírito preconcebido, não por mera experiência de estilos, ou para veicular teorias).1.

Já o Pau-brasil ou Movimento antropofágico defendia uma poesia primitivista (Filiação. O contato com o Brasil Caraíba [...] O homem natural. Rousseau), a devoração simbólica das influências estrangeiras (Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago), a valorização dos contrastes culturais do Brasil (Nunca soubemos o que era urbano, suburbano , fronteiriço e continental) e a crítica às instituições burguesas (Contra a realidade social, vestida e opressora, castrada por Freud - realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias do matriarcado de Pindorama).2.

 
Os Mutantes e o movimento tropicalista são um bom exemplo de como o movimento antropofágico influenciou a cultura pop nos anos 60. 


Oswald de Andrade (1890 - 1954)
Era paulista de família burguesa. Cursou Direito, mas foi jornalista de profissão. Em 1911, funda a revista "o Pirralho", sendo seu editor até 1917, ano de seu fechamento. Defende Anita Malfatti de Monteiro Lobato na polêmica de 1917 no Jornal do Comércio. Na Europa, conhece os movimentos vanguardistas. Em 1929, sofre os efeitos da crise do café. Foi membro do Partido Comunista de 1931 a 1945.

as meninas da gare

Eram três ou quatro moças bem moças bem gentis
Com cabelos mui pretos pelas espáduas
E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas
Que de nós as mui bem olharmos
Não tínhamos nenhuma vergonha.

Oswald defendia a valorização de nossas origens, da nossa história e da cultura de forma crítica, como o poema acima que faz uma releitura de um trecho da Carta de Pero Vaz de Caminha que descreveu no original as índias, mas que Oswald em sua parodia da Carta descreve algumas prostitutas que faziam ponto em alguma estação de trem (gare).



brasil

O Zé Pereira chegou de caravela
E preguntou pro guarani da mata virgem
- Sois cristão?
- Não. Sou bravo, sou forte, sou filho da Morte
Teterê tetê Quiza Quiza Quecê!
Lá longe a onça resmungava uu! ua! uu!
O negro zonzo saído da fornalha
Tomou a palavra e respondeu
- Sim pela graça de Deus
Canhem Babá Canhem Babá Cum Cum!
E fizeram o Carnaval.

Todos os títulos das poesias de Oswald de Andrade são sempre em minúsculas, independentemente de ser um nome de uma país. No poema, há a presença das três "raças" que constituíram o Brasil: o branco europeu, o indígena e o negro africano. O Modernismo defende que as contribuições populares estejam presentes em suas obras, por exemplo o falar coloquial: "preguntou". O Modernismo retoma constantemente o Romantismo: Gonçalves Dias e sua Canção do Exílio é parodiada quando Oswald substitui a palavra norte por Morte criticando a situação calamitosa que os indígenas passaram a viver após a chegada dos Europeus (pesquisas sugerem que a população de índios antes da chegada dos portugueses era de cerca de 1,5 de pessoas, atualmente a população indígena é de 270 mil correspondendo a 0,02% da população brasileira). E finalmente, Oswald retoma no último verso um trecho do Manifesto Pau-Brasil: O Carnaval do Rio é o acontecimento religioso da raça. Pau-Brasil. Wagner submerge ante os cordões do Botafogo. Barbaro e nosso. A formação étnico rica. Oswald de Andrade considerava o carnaval como a expressão cultural e religiosa do brasileiro. 

Mário de Andrade (1893 - 1945)
O paulista Mário de Andrade foi o principal teórico da primeira fase do Modernismo. Estudou no Conservatório Musical de São Paulo e foi crítico de arte. Em "Há uma gota de sangue em cada poema", Mário critica a carnificina que foi a I Guerra Mundial. Esse livro provoca más avaliações de críticos de orientação parnasiana. Escreve "Paulicéia desvairada" que foi prefaciada por "Prefácio interessantíssimo", um dos principais textos do movimento modernista. Entre  1924 e 1927, faz pesquisas sobre o folclore, os ritmos, as danças os costumes e a variações linguísticas do Brasil que foram fundamentais para a criação de Macunaíma.

Mário de Andrade afirmava que uma "impulsão lírica" o levava a escrever sem pensar porque o inconsciente lhe gritava sugerindo que o poeta era adepto da escrita automática dos dadaístas e surrealistas. Considerava que o lirismo criava frases (estrofes) sem que fossem necessários ou mesmos dispensáveis a contagem das sílabas métricas. Como que respondendo a Monteiro Lobato, Mário dizia que a "arte não consegue reproduzir a natureza" e que "todos os grandes artistas foram deformadores da natureza." Muito interessante também é quando afirma que "arte moderna não significa representar a vida atual no que tem de exterior: automóveis, cinema, asfalto"  e que sendo o livro moderno "elas têm neles sua razão de ser." 3.  

"Macunaíma" é a principal obra do período para se entender adequadamente a proposta modernista. Foi baseada em uma pesquisa realizada pelo etnologista Koch-Grünberg (1872 - 1924) chamada Vom Roraima zum Orinoco. Quando ao conteúdo, Macunaíma apresenta anedotas da história brasileira, aspectos da vida urbana e rural, personagens reais e fictícios, feitiçarias indígenas e muito erotismo. Já quanto a linguagem, a obra apresenta vocabulários indígenas e africanos, frases feitas, provérbios populares e gírias

O trecho abaixo é uma parte de Macunaíma:

Macunaíma tremia que mais tremia e o urubu sem pre fazendo necessidade em riba dele. Era por causa da pedra ser muito pequetitinha. Vei vinha chegando vermelha e toda molhada de suor. E Vei era a Sol. Foi muito bom pra Macunaíma porque lá em casa ele sem pre dera presentinhos de bô-lo-de-aipim pra Sol lamber secando.

Vei tomou Macunaíma na jangada que tinha uma vela cor-de-ferrugem pintada com muruci e fez as três filhas limparem o herói, catarem os carrapatos e exa minarem si as unhas dele estavam limpas. E Macunaí ma ficou alinhado outra vez. Porém por causa dela es tar velha vermelha e tão suando o herói não malíciava que a coroca era mesmo a Sol, a boa da Sol poncho dos probres. Por isso pediu pra ela que chamasse Vei com seu calor porque ele estava lavadinho bem mas tre mendo de tanto frio. Vei era a Sol mesmo e andava matinando fazer Macunaíma genro dela. Só que ainda não podia aquentar ninguém não, porque era cedo por demais, não tinha força. Pra distrair a espera assobiou dum jeito e as três filhas dela fizeram muitos cafunés e cosquinhas no corpo todo do herói.

Ele dava risadas chatas, se espremendo de cóce gas e gostando muito. Quando elas paravam pedia mais estorcendo já de antegozo. Vei pôs reparo na senvergonhice do herói, teve raiva. Foi ficando sem vontade de tirar fogo do corpo e esquentar ninguém. Então as cunhatãs agarraram na mãe, amarraram bem ela e Macunaíma dando muitos munhecaços na barriga da bruaca saiu que saiu um fogaréu por detrás e todos se aquentaram.

Principiou um calorão que tomou a jangada, se alastrou nas águas e dourou a face limpa do ar. Ma cunaíma deitado na jangada lagarteava numa quebreira azul. E o silêncio alargando tudo...

- Ai... que preguiça...

O herói suspirou. Se ouvia o murmurejo da onda, só. Veio um enfaro feliz subindo pelo corpo de Ma cunaíma, era bom... A cunhatã mais moça batia o urucungo que a mãe trouxera da África. Era vasto o paraná e não tinha uma nuvem na gupiara elevada do céu. Macunaíma cruzou as munhecas no alto por de trás fazendo um cabeceiro com as mãos e enquanto a filha-da-luz mais velha afastava os mosquitos borrachudos em quantidade, a terceira chinoca com as pontas das trancas fazia estremecer de gosto a barriga do he rói. E era se rindo em plena felicidade, parando pra gozar de estrofe em estrofe que ele cantava assim: Quando eu morrer não me chores, Deixo a vida sem sodade; - Mandu sarará,

Tive pro pai o desterro, Por mãe a infelicidade, - Mandu sarará,

Papai chegou e me disse: - Não hás de ter um amor! - Mandu sarará,

Mamãe veio e me botou Um colar feito de dor, - Mandu sarará,

Que o tatu prepare a cova Dos seus dentes desdentados, - Mandu sarará,

Para o mais desinfeliz De todos os desgraçados, - Mandu sarará...

Era bom... O corpo dele relumeava de ouro cinzando nos cristaizinhos do sal e por causa do cheiro da maresia, por causa do remo pachorrento de Vei, e com a barriga assim mexemexendo com cosquinhas de mu lher, ah!... Macunaíma gozou do nosso gozo, ah!... "Puxavante! que filha-duma?... de gostosura, gente!" exclamou. E cerrando os olhos malandros, com a boca rindo num riso moleque safado de vida boa o herói gostou gostou e adormeceu.

Quando a jacumã de Vei não embalou mais o sono dele Macunaíma acordou. Lá no longe se perce bia mais que tudo um arranhacéu cor-de-rosa. A jan gada estava abicada na caiçara da maloca sublime do Rio de Janeiro.

Ali mesmo na beira d'água tinha um cerradão comprido cheinho da árvore pau-brasil e com palácios de cor nos dois lados. E o cerradão era a avenida Rio Branco. Aí que mora Vei a Sol com suas três filhas de luz. Vei queria que Macunaíma ficasse genro dela por que afinal das contas ele era um herói e tinha dado tanto bôlo-de-aipim pra ela chupar secando, falou: - Meu genro: você carece de casar com uma das minhas filhas. O dote que dou pra ti é Oropa França e Bahia. Mas porém você tem de ser fiel e não andar assim brincando com as outras cunhas por aí.

Macunaíma agradeceu e prometeu que sim juran do pela memória da mãe dele. Então Vei saiu com as três filhas pra fazer o dia no cerradão, ordenando mais uma vez que Macunaíma não saísse da jangada pra não andar brincando com as outras cunhas por aí. Macunaí ma tornou a prometer, jurando outra vez pela mãe.

Nem bem Vei com as três filhas entraram no cer radão que Macunaíma ficou cheio de vontade de ir brincar com uma cunha. Acendeu um cigarro e a von tade foi subindo. Lá por debaixo das árvores passavam muitas cunhas cunhe cunhe se mexemexendo com ta lento e formosura.

- Pois que fogo devore tudo! Macunaíma excla mou. Não sou frouxo agora pra mulher me fazer mal! E uma luz vasta brilhou no cérebro dele. Se er gueu na jangada e com os braços oscilando por cima da pátria decretou solene: - POUCA SAÚDE E MUITA SAÚVA, OS MALES DO BRASIL SÃO! Pulou da jangada no sufragante, foi fazer conti nência diante da imagem de Santo Antônio que era ca pitão de regimento e depois deu em cima de todas as cunhas por aí. Logo topou com uma que fora varina lá na terrinha do compadre chegadinho-chegadinho e inda cheirava no-mais! um fartum bem de peixe. Macunaí ma piscou pra ela e os dois vieram na jangada brincar. Fizeram. Bastante eles brincaram. Agora estão se rindo um pro outro.

O modernismo, assim como o Romantismo, foi um resgate da cultura e da história do Brasil, de modo que podemos apontar alguns detalhes no trecho acima, como por exemplo o resgate da pronúncia da língua portuguesa no Brasil: "si, milhor, siquer", ou palavras de origem indigena: aipim, muruci, cunhãs; africana: urucungo; popular: senvergonhice, mexemexendo; regional: em riba. Também podem ser encontrados registros da cultura popular ou do folclore: a língua popular e coloquial, as modinhas e os provérbios. O contraste entre  primtivo e o moderno: Lá no longe se perce bia mais que tudo um arranhacéu cor-de-rosa. A jan gada estava abicada na caiçara da maloca sublime do Rio de Janeiro. [...] Ali mesmo na beira d'água tinha um cerradão comprido cheinho da árvore pau-brasil e com palácios de cor nos dois lados. E o cerradão era a avenida Rio Branco.

Manuel Bandeira (1886 - 1968)
A obra de Manuel Bandeira pode ser considerada a mais lírica dos autores até aqui citados, e também com muitas referências românticas, mas sem ser idealizada. No plano do conteúdo, o leitor encontrará temas como a doença que assolava o autor (problema pulmonar, mas que ironicamente não foi a causa da morte de Manuel Bandeira), o cotidiano, o quarto, o jornal a cultura popular, a saudade e a infãncia. No plano da linguagem: o verso livre, o coloquial, a irreverência. Sua poesia era narrativa, como que pequenos textos de jornais, mas bastante lírica, como o poema abaixo:

Poema tirado de uma notícia de jornal

João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

No poema que segue vemos presentes alguns elementos do Romantismo: o escapismo, o erotismo, a idealização do passado, o uso de entorpecentes etc.

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

1. Manifesto Nhengaçu Verde Amarelo
2. Manifesto Antropófago
3. Prefácio interessantíssimo

As doze virtudes do bom professor segundo São João Batista de la Salle 1. A Seriedade

As doze virtudes do bom professor de acordo com São João Batista De La Salle Explanação do Irmão Agatón, Superior Geral, F.S.C. 178...