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domingo, 31 de dezembro de 2017

Curso de Latim - Parte 10 - O verbo infinitivo latino

O infinitivo latino apresenta três tempos e duas vozes verbais. O infinitivo português, por exemplo, tem apenas um tempo e uma voz verbal: o presente ativo: amar, vender e partir.

Um infinitivo "normal" possui três tempos e duas vozes:

Voz ativa
laudavisse
laudare
Laudaturus esse
haver louvado
louvar
haver de louvar


Voz passiva
laudatus esse
laudari
Laudatum iri
ter sido louvado
ser louvado
ter sido de louvar

Um verbo depoente apresenta somente três tempos e a voz ativa. Um verbo depoente é um verbo que apresenta a forma passiva mas o seu sentido é ativo.

voz ativa

hortatus esse
hortari
hortaturus esse
haver exortado
exortar
haver de exortar

Como o leitor pôde perceber, o futuro do verbo depoente não apresenta a forma hortatum iri. 

O infinitivo latino pode ser empregado:
1) como sujeito de uma oração
2) como objeto de uma oração
3) em orações infinitivas:
     a) acusativo com infinitivo
     b) nominativo com infinitivo
4) em outros tipos de orações.

1) Infinitivo usado como sujeito

Assim como o português, o infinitivo pode ser usado como sujeito possuindo valor de um substantivo:

O mentir é feio = É feio mentir = A mentira é feia.
Mentiri turpe est.

(mentiri é depoente: mentior, mentiris, mentitus sum)
mentitus esse
mentiri
mentiturus esse
haver mentido
mentir
haver de mentir

O infinitivo subjetivo poderá estar acompanhado por um advérbio ou por um substantivo com função objetiva:

Oportet bene arare  = Cumpre arar bem
Amare patriam decorum est = É decoroso amar a pátria.

Apesar de a forma mais usada do infinitivo objetivo ser o presente ativo, o latim admite os outros tempos e vozes para o infinitivo subjetivo:

Laudari a magistro jucudum est = É agradável ter sido louvado pelo professor. 

O infinitivo subjuntivo é usado sintaticamente com verbos impessoais(1) e com predicativo + esse(2):

(1) Decet amare parentes = Convém amar os pais
(2) Lavare manus mos est  = É costume lavar as mãos.

2) Infinitivo objetivo 

O português apresenta comumente a seguinte oração: (1) Julgo que meu amigo fala a verdade. O leitor pode observar que o verbo falar está conjugado, mas em português também é possível dizer: (2) Julgo meu amigo falar a verdade. Essa última construção é a tradução literal e gramaticalmente prescritiva  da oração latina: Puto amicum meum verum dicere, que poderá ser traduzida tanto por (1) como por (2).

A regra consiste:
a) não traduzir o que da oração portuguesa;
b) o sujeito da oração subordinada deverá estar no caso acusativo
c) o verbo da oração subordinada deverá estar no infinitivo (presente, passado ou futuro).

Atenção: os elementos declináveis do infinitivo laudaturus (futuro da voz ativa) e laudatus (presente da voz passiva) devem fazer concordância com o sujeito acusativo:

Puto amici mei verum laudaturi (esse) = Julgo que meus amigos louvarão a verdade.

OBS: O infinitivo futuro passivo é indeclinável.

A fim de evitar ambiguidade; já que o acusativo com infinitivo pode trazer dois acusativos ( um sujeito e outro complemento), o latim pode utilizar a voz passiva para tornar a frase mais clara.

Puto Romanos hostes victuros (esse) que poderá ser traduzida por Julgo que os romanos vencerão os inimigos ou Julgo que os inimigos vencerão os romanos. Para evitar essa ambiguidade, deve-se utilizar o infinitivo futuro (no caso) passivo:

Puto hostes a Romanis victu iri. = Julgo que os inimigos serão vencidos pelos romanos.

Os verbos latinos que admitem essa construção são os que expressam: vontade, intenção, esforço, possibilidade, obrigação, início, fim.

O verbo esse também admite o A.C.I. e deverá estar acompanhado de um predicativo (no nominativo, claro). Aqui, , nos exercício tradução (I) e versão (I), o leitor pode ver exemplos dessa construção.

(ESSA POSTAGEM SERÁ NOVAMENTE ATUALIZADA)

segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Curso de Literatura - Parte 9 - Concretismo

Movimento poético contemporâneo que expressa e critica ao mesmo tempo a propaganda e o consumismo dos nossos dias. Foi um movimento que conseguiu aliar de um lado a linguagem verbal e de outro a não-verbal.

O Concretismo surge durante o período que antecede o regime militar brasileiro: o Governo de Juscelino Kubitschek (1956 - 1960) que tem como principal característica a fundação de Brasilia e também o início de surgimento do nosso parque industrial automobilístico. Juscelino queria implantar uma política desenvolvimentista prometendo avançar economicamente cinquenta anos em apenas cinco. Logicamente isso não deu certo e aumentou enormemente nossa dívida externa, deixando para seu sucessor, Jânio Quadros, resolver o rompimento com o FMI.

O Brasil vive seu momento cultural mais importante durante a segunda metade do século XX com o surgimento de tendências musicais que até os nossos dias, mais de 60 anos depois, ainda influência nossa música popular: o surgimento da Bossa Nova e do Tropicalismo. Nomes da Bossa Nova que até hoje ainda é referência: Tom Jobim, o poeta (que futuramente será estudado) Vinícius de Moraes, Baden Powell, entre outros. Já no Tropicalismo temos nomes como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Os Mutantes. Os festivais de músicas da Record também é algo muito característico daquele período.

O Concretismo foi um movimento que procurou unir diversas linguagens em uma só. Confundem-se desse modo artes plásticas, publicidade e poesia em uma estrutura híbrida. De alguma forma, o Concretismo é uma poética urbana porque os poemas fazem referência aos anúncios publicitários, aos outdoors e ao neon. O poeta quebra com a estrutura ortodoxa do verso, linguagens não verbais unem-se as verbais.


A união da poesia e da propaganda por meio da fonte que lembra anúncio outdoor leva o leitor a refletir sobre o consumismo tão marcante na geração contemporânea. O leitor pode fazer uma leitura linear, tradicional: quis mudar tudo mudei tudo agorapóstudo extudo mudo, ou então fazer uma leitura liberta, sugerindo muitas interpretações: mudar mudei agorapóstudo mudo, a última palavra, mudo, pode tanto sugerir o verbo mudar como o substantivo mudo, como se o eu lírico considerasse a possibilidade de ficar calado, após um momento de reflexão, agorapóstudo. Também é possível a seguinte leitura: quis tudo tudo tudo agorapóstudo extudo, sugerindo que após a aquisição dos objetos de desejos, o eu-lírico percebesse a nulidade de tudo.

mar azul
mar azul    marco azul
mar azul    marco azul    barco azul
mar azul    marco azul    barco azul    arco azul
mar azul    marco azul    barco azul    arco azul    ar azul

A poesia de Ferreira Gullar, mar azul, brinca com a palavras construindo e desconstruindo-as. A  repetição do vocábulo azul, faz com que os objetos se confundam entre si, da mesma forma como acontece com o expectador á beira da praia percebendo como os objetos se confundem na paisagem a medida em que se afastam no horizonte.

O poeta brinca com a figura da pirâmide e a palavra amor. O triângulo isósceles apresenta uma base maior e duas laterais menores. A base maior dá sustentação ao triângulo para que todo o sistema não se abale. Em sua base, o autor apresenta duas palavras, amor e temor, no começo do amor romântico, os pares sentem esses dois sentimentos concomitantemente, mas a medida que o sentimento fica mais seguro, o temor vai desaparecendo e no topo aparece a palavra amor. Além disso, interessante observar duas coisas: a primeira; durante a transição do amor-temor para amor, aparece a palavra morte.  Segundo; o triângulo é uma das formas geométricas mais resistentes, servindo em muitos casos como objeto de reforço para muitas construções. 

sábado, 5 de agosto de 2017

Curso de Literatura - Parte 8 - Parnasianismo

O Parnasianismo foi um movimento literário cujo objetivo era contrapor-se aos valores do Romantismo (a simplicidade vocabular e linguístico, a valorização do nacional e do sentimentalismo exagerado).

O Parnasianismo foi um movimento que apenas produziu poesia. Alguns pesquisadores pedagogicamente afirmam que o Parnasianismo e a face poética do Realismo, mas isso não é verdade. Enquanto O Realismo defendia uma análise da sociedade, o Parnasianismo foi um movimento que procurou afastar-se o mais possível de qualquer tipo de análise social ou individual para que esta não afetasse de modo algum a arte poética. Por esse motivo, podemos dizer que o Parnasianismo foi um movimento conservador no sentido de considerar a arte superior a qualquer tipo de engajamento social.

Por sua oposição a alguns valores do Romantismo, podemos dizer que o Parnasianismo se filia a valores clássicos. Seus são temas universais e facilmente identificáveis: a natureza, o tempo, o amor (condito e não exagerado), a própria arte e a poesia.

Os parnasianos procuraram criar uma obra centrada somente na arte: o caminho era a Arte e o objetivo era a Arte, em outras palavras, o Parnasianismo era centrada em si mesmo. Era a arte pela arte. Isso fez com que o parnasianismo produzisse obras que apresentassem rigidez formal, como por exemplo estrofes com dez (decassílabos) ou doze sílabas poéticas (alexandrinos).A estrutura poética preferida foi o soneto ( estrutura composta por quatorze versos agrupados em  dois quartetos e dois terceto). O tipo de rima mais buscadas foram as rimas ricas cujas palavras rimadas pertencem a classes gramaticais diferentes. Algumas poemas apresentam também rimas pobres (palavras rimadas pertencentes a mesma classe gramatical). E finalmente, outro tipo de rima buscada foram as rimas raras (nesse tipo de rima, as palavras possuem terminações incomuns, geralmente criadas com palavras pertencentes ao vocabulário greco-latino).

Tudo isso que foi dito acima fez com que o Parnasianismo fosse objeto de critica, principalmente do movimento posterior ao Parnasianismo, o Modernismo. Oswald de Andrade criticou o poeta parnasiano classificando-o como uma máquina de fazer versos, Manuel Bandeira também criticou o movimento em seu poema Os Sapos e Mário de Andrade dizia (em Pauliceia Desvairada) que o poema deveria surgir de uma impulsão lírica.

A seguir, apresentamos a Chamada Tríade Parnasiana que é os principais nomes do Parnasianismo. A sequência apresentada, conforme pode ser vista pelas leituras dos poemas, é dos autores mais ortodoxos para aqueles que procuraram de certa forma ampliar um pouco mais os temas poetizados. A escolha das obras foram a partir das mais representativas de cada poeta.


ALBERTO DE OLIVEIRA (1855 - 1937)
Foi o poeta mais ortodoxo do Parnasianismo. Dentre as principais características, podemos destacar sua rigidez formal, sua limitação temática (cantou temas como muros e vasos) e sua excepcional capacidade descritiva.  

Vaso Grego
Esta de áureos relevos, trabalhada
De divas mãos, brilhante copa*, um dia,
Já de aos deuses servir como cansada,
Vinda do Olimpo, a um novo deus servia.

Era o poeta de Teos que a suspendia
Então, e, ora repleta ora esvazada,
A taça amiga aos dedos seus tinia,
Toda de roxas pétalas colmada.

Depois… Mas o lavor da taça admira,
Toca-a, e do ouvido aproximando-a, às bordas
Finas hás de lhe ouvir, canora e doce,

Ignota voz, qual se da antiga lira
Fosse a encantada música das cordas,
Qual se essa voz de Anacreon te fosse.

RAIMUNDO CORREIA
Destacou-se principalmente pela melancolia e pessimismo de sua poética com características filosóficas, como as duas abaixo:

As Pombas
Vai-se a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada...

E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...

Também dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;

No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais...

Mal Secreto
Se a cólera que espuma, a dor que mora
N’alma, e destrói cada ilusão que nasce,
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;

Se se pudesse o espírito que chora
Ver através da máscara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!

Quanta gente que ri, talvez, consigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo,
Como invisível chaga cancerosa!

Quanta gente que ri, talvez existe,
Cuja a ventura única consiste
Em parecer aos outros venturosa!

OLAVO BILAC
Considerado o príncipe dos poetas. Apesar de ter criado Profissão de fé, uma espécie de poema-manifesto do parnasianismo, foi o mais livre dos poetas desse movimento literário. Olavo Bilac percorreu diversos tema, podemos destacar alguns deles: a primeira e mais evidente é a busca pela perfeição formal,  é também o parnasiano que mais se aproximou de temas do Romantismo, como por exemplo, o nacionalismo, o sensualismo e o sentimentalismo.

Profissão de Fé
No verso de ouro engasta a rima,
Como um rubim.

Quero que a estrofe cristalina,
Dobrada ao jeito
Do ourives, saia da oficina
Sem um defeito:

E que o lavor do verso, acaso,
Por tão subtil,
Possa o lavor lembrar de um vaso
De Becerril.

E horas sem conto passo, mudo,
O olhar atento,
A trabalhar, longe de tudo
O pensamento.

Porque o escrever - tanta perícia,
Tanta requer,
Que oficio tal... nem há notícia
De outro qualquer.

Assim procedo. Minha pena
Segue esta norma,
Por te servir, Deusa serena,
Serena Forma!

Via Lactea (xviii)
Ora (direis) ouvir estrelas! Certo 
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto, 
Que, para ouvi-las, muita vez desperto 
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las! 
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.


terça-feira, 4 de julho de 2017

Curso de Literatura - parte 7 - Realismo/Naturalismo

O violeiro - Almeida Junior (1850 - 1899)
A segunda metade do século XIX foi um período de consolidação de correntes ideológicas e científicas que ainda influem na contemporaneidade e ainda é base para teorias que surgem a cada dia. Na segunda metade do século XIX, Charles Darwin pública A origem das espécies (1859), Louis Pasteur cria o processo derivado de seu nome, a pasteurização (1864), Freud e Breuer passam a utilizar a hipnose para o tratamento das doenças da mente (1895) e Karl Marx lança O Capital (1867). Taine defende o determinismo criado pelo meio, pela raça e pelo período histórico.Mas muitas outras invenções e teorias surgiram nos últimos cinquenta anos do século XIX.

A segunda metade do século XIX também vê o surgimento de três movimentos literários que muito influenciaram nossa literatura: o Realismo/Naturalismo e o Parnasianismo. Estes três movimentos literários foram ideologicamente opostos ao Romantismo que defendia, entre outras coisas, uma visão de mundo subjetiva e parcial, a fuga da realidade (por meio do saudosismo ou idealismo do passado) e criação de heróis que expressem a grandeza nacional. O Realismo/Naturalismo, por outro lado, defendiam um visão objetiva, fiel e sem distorção, as falhas e os defeitos da sociedade e os comportamentos das pessoas seriam apontados e criticados e, por fim, o herói romântico seria substituído por pessoas comuns.

As principais obras que iremos usar para definir o Realismo/Naturalismo serão Memórias póstumas de Brás Cubas (1881) que inaugura o Realismo no Brasil e Dom Casmurro (1899), ambas de Machado de Assis (1839 - 1908); O cortiço (1881) de Aluísio Azevedo (1857 - 1913)

Objetividade na descrição das personagens e na realidade que as cercam
O autor realista e naturalista irão descrever personagens e ações que poderiam ocorrer no mundo real. Inclusive mostrar que, assim como as pessoas do mundo real, as personagens podem agir por egoismo, soberba avareza. Ainda assim, essas coisas não a tornam ruins ou más, apenas "pessoas reais:"

Não houve lepra, mas há febres por todas essas terras humanas, sejam velhas ou novas. Onze meses depois, Ezequiel morreu de uma febre tifóide, e foi enterrado nas imediações de Jerusalém, onde os dois amigos da universidade lhe levantaram um túmulo com esta inscrição, tirada do profeta Ezequiel, em grego: "Tu eras perfeito nos teus caminhos”.Mandaram-me ambos os textos, grego e latino, o desenho da sepultura, a conta das despesas e o resto do dinheiro que ele levava; pagaria o triplo para não tornar a vê-lo.
Como quisesse verificar o texto, consultei a minha Vulgata, e achei que era exato, mas tinha ainda um complemento: "Tu eras perfeito nos teus caminhos, desde o dia da tua criação”.Parei e perguntei calado: "Quando seria o dia da criação de Ezequiel?" Ninguém me respondeu. Eis aí mais um mistério para ajuntar aos tantos deste mundo. Apesar de tudo, jantei bem e fui ao teatro. 

Acima está transcrito o penúltimo capítulo de Dom Casmurro que apesar da frieza em relação ao filho, que ele julgava ser na verdade de seu ex-melhor amigo, Escobar, desejaria na verdade que o rapaz fosse seu filho e não filho do amigo finado, conforme o trecho do capítulo anterior a este:

Prometi-lhe recursos, e dei-lhe logo os primeiros dinheiros precisos. Como disse que uma das conseqüências dos amores furtivos do pai era pagar eu as arqueologias do filho; antes lhe pegasse a lepra... Quando esta idéia me atravessou o cérebro, senti-me tão cruel e perverso que peguei no rapaz, e quis apertá-lo ao coração, mas recuei; encarei-o depois, como se faz a um filho de verdade; os olhos que ele me deitou foram ternos e agradecidos.

Descrição objetiva captando o real como ele é
Não há da parte do narrador em dourar a pílula, sua intenção é descrever aquilo que vê sem qualquer tipo de tentativa em idealizar a figura feminina, por exemplo.
Tudo nela era atenuado e passivo. O próprio rosto era mediano, nem bonito nem feio. Era o que chamamos uma pessoa simpática. Não dizia mal de ninguém, perdoava tudo. Não sabia odiar; pode ser até que não soubesse amar.

Trecho original da crônica A missa do galo, observa-se a forma como narrador descreve a personagem Conceição, que algumas mais tarde será objeto dos desejos eróticos do próprio narrador. A descrição de Conceição está relacionada também a caracterização psicológica da personagem.

A mulher não é idealizada
Diferentemente do Romantismo, o Realismo/Naturalismo retrata a mulher conforme outro ser humano qualquer, inclusive o adultério é o mais das vezes parte da mulher. Observe como o narrador descreve de modo sensual a personagem Rita Baiana de O cortiço:

Rita havia parado em meio do pátio.
Cercavam-na homens, mulheres e crianças; todos queriam novas dela. Não vinha em traje de domingo; trazia casaquinho branco, uma saia que lhe deixava ver o pé sem meia num chinelo de polimento com enfeites de marroquim de diversas cores. No seu farto cabelo, crespo e reluzente, puxado sobre a nuca, havia um molho de manjericão e um pedaço de baunilha espetado por um gancho. E toda ela respirava o asseio das brasileiras e um odor sensual de trevos e plantas aromáticas. Irrequieta, saracoteando o atrevido e rijo quadril baiano, respondia para a direita e para a esquerda, pondo à mostra um fio de dentes claros e brilhantes que enriqueciam a sua fisionomia com um realce fascinador.

O narrador não idealiza a personagem, pelo contrário, descreve detalhadamente o modo simplório com que ela se veste e também generaliza uma pretensa sensualidade presente em todas as brasileiras. No Realismo/Naturalismo, a figura feminina é condizente com a realidade. Elas deixam de ser figuras etéreas. Passam a ser movidas por vontades e desejos, usam da sensualidade para alcançar seus objetivos

O casamento é fruto das conveniências sociais e financeiras
Conforme a passagem abaixo de O Cortiço, Miranda, o português comerciante, decide não deixar a esposa, apesar do flagrante adultério da mulher:

Estela era uma mulherzinha levada da breca: achava-se casada havia treze anos e durante esse tempo dera ao marido toda sorte de desgostos. Ainda antes de terminar o segundo ano de matrimônio, o Miranda pilhou-a em flagrante delito de adultério; ficou furioso e o seu primeiro impulso foi de mandá-la para o diabo junto com o cúmplice; mas a sua casa comercial garantia-se com o dote que ela trouxera, uns oitenta contos em prédios e ações da divida publica, de que se utilizava o desgraçado tanto quanto lhe permitia o regime dotal. Além de que, um rompimento brusco seria obra para escândalo, e, segundo a sua opinião, qualquer escândalo doméstico ficava muito mal a um negociante de certa ordem. Prezava, acima de tudo, a sua posição social e tremia só com a idéia de ver-se novamente pobre, sem recursos e sem coragem para recomeçar a vida, depois de se haver habituado a umas tantas regalias e afeito à hombridade de português rico que já não tem pátria na Europa.

Miranda acostumou-se com a vida de comerciante bem sucedido no Brasil e prefere suportar os deslizes da esposa, separando-se somente na cama, mas vivendo sob o mesmo teto, apesar das brigas constantes. O casamento é meio de ascensão social e por ele, os personagens preferem se submeter às situações humilhantes a perder os privilégios conquistados pelo casamento.

O amor não-idealizado e subordinado a interesses sociais
Brás Cubas relata a seguir seu sentimento quando Virgília parte com o marido Lobo Neves, no capítulo anterior (CXIV), há o diálogo de despedida entre os amantes sem nenhum tipo de arrebatamento sentimental, promessas de amor ou outra coisa qualquer, somente um diálogo entre conhecidos sem tipo algum de envolvimento.

Não a vi partir; mas à hora marcada senti alguma coisa que não era dor nem prazer, uma coisa mista, alívio e saudade, tudo misturado, em iguais doses. Não se irrite o leitor com esta confissão. Eu bem sei que, para titilar-lhe os nervos da fantasia, devia padecer um grande desespero, derramar algumas lágrimas, e não almoçar. Seria romanesco; mas não seria biográfico.

Protagonistas imperfeitos
O Realismo/Naturalismo apresenta protagonistas imperfeitos, como foi dito anteriormente. Veja como Jerônimo, personagem de O cortiço. Aluísio Azevedo dedica ao personagem o capítulo V quase que inteiro para descrever a força moral do personagem recém-chegado ao Brasil, somente será citado um pequeno trecho deste capítulo sobre a consideração que os outros personagens dedicavam a Jeronimo:

O prestígio e a consideração de que Jerônimo gozava entre os moradores da outra estalagem donde vinha, foram a pouco e pouco se reproduzindo entre os seus novos companheiros de cortiço.

Mas, conforme a teoria de determinista de Taine, Jeronimo se degenera e passa a reproduzir os costumes da terra:

E assim, pouco a pouco, se foram reformando todos os seus hábitos singelos de aldeão português: e Jerônimo abrasileirou-se. 

Narrativa lenta e tempo psicológico
A narrativa arrasta-se no tempo psicológico do narrador, de modo que uma hora parece horas intermináveis. O narrador de Missa do galo não percebe o tempo passar:

Concordei em dizer alguma coisa, para sair daquele sono magnético ou o que quer que era e me tolhia a língua e os sentidos. [...] Chegamos a ficar algum tempo - não sei dizer quanto - inteiramente calados.

Finalmente, para concluir essa postagem, vale dizer que o Naturalismo diferenciava-se do Realismo, por aquele tentar fazer uma descrição objetiva da realidade por meio de pressupostos científicos. O autor naturalista percebia-se como um cientista que analisa grupos humanos e analisa suas ações para chegar a alguma conclusão. Por esse motivo chamam o Naturalismo de romance de tese.

segunda-feira, 3 de julho de 2017

O texto dissertativo - argumentativo

As pessoas sentem necessidade de comunicar-se umas com as outras por meio do texto escrito. Para isso utilizam diversas especies de textos, são tantos que, pode-se dizer, são inumeráveis: uma carta, um bilhete, um manual, uma receita, um edital,uma propaganda, um artigo,um ensaio,um diário, uma biografia, uma noticia... São muitas, esta é apenas uma pequena parte dos diversos gêneros textuais que surge na memória. O que é um gênero textual? Gênero textual é um texto que as pessoas criaram para se comunicarem e que possui certas características textuais e extra-textuais próprias. Alguém não escreveria uma receita de bolo em forma de poema. Com certeza também usaria nesta mesma receita uma forma verbal própria para textos cuja função é ensinar a fazer algo: o imperativo. Nesse pequeno exemplo você percebeu que os gêneros textuais são textos construídos socialmente. Algo bastante interessante é que os gêneros, como eles surgem das necessidades das pessoas se comunicarem, podem aparecer e desaparecer, o e-mail é um gênero que se tornou popular há pouco mais de 20 anos, por exemplo. Sabendo o que é gênero, passemos para o tópico seguinte.

Tipos textuais são mais limitados quantitativamente,alguns os classificam entre 5 a 9 tipos textuais. O primeiro que iremos analisar será o texto descritivo:

"Fui também recomendado ao Sanches. Achei-o supinamente antipático: cara extensa, olhos rasos, mortos, de um pardo transparente, lábios úmidos, porejando baba, meiguice viscosa de crápula antigo. Primeiro que fosse do coro dos anjos, no meu conceito era a derradeira das criaturas.
“Lá vem ele. E ganjento, pilantra: roupinha de brim amarelo, vincada a ferro; chapéu tombado de banda, lenço e caneta no bolsinho do jaquetão abotoado; relógio de pulso, pegador de monograma na gravata chumbadinha de vermelho."

Vejamos algumas características linguísticas que marcam um texto descritivo. O marca temporal principal é o presente, o grupo de palavras mais empregado é o adjetivo, são vários. O verbo de ligação não ocorre, mas sabemos que ele foi omitido já que o sua ausência não compromete o sentido do texto. O autor usa um verbo transitivo com função predicativa do objeto (achar). Sua caracterização, o narrador descreve as roupas de Sanches e o uso de diminutivos (roupinha) pode ser usado para pode ser usado para desmerecer o objeto retratado.

O texto narrativo também apresenta algumas características.

Os morangos
A vizinha espiou por cima do muro.
— Bom dia, seu Agenor!
— Bom dia.
— Que lindos estão esses morangos, que maravilha!
(...)
— O senhor não colhe, seu Agenor? Estão no ponto.
— Não gosto de morangos.
— Que pena, aqui em casa somos todos loucos por morangos. As crianças, então, nem se diga. Se não colher, vão apodrecer no pé, uma judiação.
— É.
— Se o senhor não se incomodasse eu colhia um pouco, já que o senhor não gosta de morangos.
— Com licença, preciso pegar o ponto na repartição.
— À vontade, seu Agenor, mas... e os morangos?
— Não prestam para comer, têm gosto de terra.
— Pena, tão lindos!
Saiu para a repartição. Voltou à noite. O luar batia em cheio no canteiro de morangos. Acercou-se em silêncio. Estavam bonitos mesmo. De dar água na boca. Pena que não se pudessem comer. Suspirou fundo.
Mariana, tão linda. Linda como uma flor. Mas tão desleixada, tão preguiçosa. Comida malfeita, roupa por lavar, pratos gordurosos. E aquele gênio! Sempre descontente, exigindo tudo o que não lhe podia dar, espezinhando-o diariamente pelo seu magro ordenado.
Fora realmente uma gentil ideia plantar os morangos depois que a enterrara no jardim.
(Giselda Laporta Nicolelis).”

A primeira coisa que percebemos é a presença de diálogos, marcados no texto pelo travessão. Os verbos são apresentados principalmente no tempo passado. Há personagens e entre eles surgem uma questão ou um ponto de controvérsia, que precisará ser resolvido. Há um narrador que conta as ações cronologicamente. A narração, principalmente ao final dos dois últimos parágrafos, são são apresentados no discurso indireto livre, pois narrador e personagens se confundem.

Analisemos o texto expositivo:

De um modo geral, a mensagem da televisão – assim como a do rádio – visa a uma universalidade (atingir todo e qualquer receptor indistintamente) que, mal compreendida, pode levar o veículo a uma relação falsa com o grupo social. A tv é levada a tratar como homogêneos fenômenos característicos de apenas alguns setores da sociedade. A busca de um suposto denominador comum, que renda o máximo de aceitação por parte do público, preside à elaboração da mensagem. O êxito de um programa é aferido pelo índice de audiência: quanto maior o público, maior o sucesso.

O texto expositivo é a explicação ou exposição sobre um tema feita por um especialista. É direcionado a um público que deseja saber ou quer adquirir conhecimento sobre alguma área do conhecimento humano. Os temas são os mais variados possíveis. Para esclarecer um assunto, o texto expositivo pode utilizar características de outros tipos textuais como a descrição e a narração. Geralmente, o tema é aportado em uma sequencia didaticamente exposta, do mais simples ao mais complexo.

O texto dissertativo-argumentativo utilizará os mesmo recursos presentes no texto expositivo para fundamentar o ponto de vista do autor. Um texto dissertativo-argumentativo surgiu da necessidade de se discutir os problemas e conflitos que ocorrem na sociedade e apontar uma solução. Durante a vida escolar é o momento indicado para que os jovens possam expressar sua opinião e também prepará-los para a vida acadêmica.

Para que o nosso texto dissertativo-argumentativo possa convencer nossos leitores, é necessário que o autor atenha-se a algumas dicas. O conhecimento do assunto é essencial. Somente conseguimos convencer alguém se soubermos sobre o que falamos. Nosso conhecimento deve ir além do senso comum. Ele deve estar fundamentado sobre pesquisas, reportagens, livros, revistas etc. Outra dica que deve ser observada é saber utilizar os vocábulos da língua adequadamente. Uma palavra pode expressar ideias diferentes conforme o contexto em que elas ocorrem, por esse motivo, o uso das palavras deve ser bem analisado para não induzir o leitor a erros. O conhecimento da língua, ou seja, as regras que a regem também devem ser consideradas pelo leitor. Finalmente a adequação a proposta: não fugir do tema e saber o que é um texto dissertativo-argumentativo.

Pode ocorrer de nosso leitor não conseguir entender aquilo que queremos comunicar. Isso ocorre porque existe algum tipo de ruído na comunicação. Talvez ocorra um desnível intelectual entre o escritor e o leitor. Caso seja da parte do autor, ele precisa ser o mais didático possível. O leitor não é obrigado a saber o que o autor sabe.

As partes da redação é composta pelo título, a introdução, uma tese, o desenvolvimento e a conclusão. O título, dependendo da organizadora do concurso público ou da prova vestibular poderá não ser obrigatório. A introdução, pode-se dizer, é a parte mais difícil da redação porque é o momento quem que tornamos nossa abstração em algo concreto. Começar uma introdução não é fácil; a busca pela primeira palavra é o momento mais longo durante a construção de um texto. Não comece o seu texto por expressões como "atualmente", "nos dias de hoje" etc. Todas elas são desnecessárias. Comece-a por uma exemplificação, identificando um problema, por uma narrativa histórica que tenha relação com o tema, por uma problematização etc.  A tese poderá ser expressa claramente, na forma de uma proposição, ou diluída pela redação. Uma tese explícita não é comum na imensa maioria das redações, por esse motivo é uma preciosidade encontrá-la. O desenvolvimento pode ser construído por meio dos diversos tipos de argumentação. O autor somente não pode deixar de expressar sua opinião para que o texto seja o mais autoral possível. Algumas redações solicitam uma proposta de intervenção, outras somente uma conclusão tradicional. Caso em sua redação seja solicitada uma proposta de intervenção, procure desenvolvê-la o máximo possível, explicando como aplicá-la, quem irá executá-la, quais os objetivos, o passo a passo para desenvolvê-la etc. Enfim, procure detalhar a proposta de intervenção.

terça-feira, 27 de junho de 2017

Curso Prático de Latim - Parte 9 - Palavras Parissílabas e Palavras Imparissílabas

A terceira declinação latina, cujo genitivo singular é -is, apresenta como dificuldade para o estudante do latim a imensa quantidade de palavras no nominativo, por isso é desnecessário querer sabê-las como fazemos com a primeira e segunda declinação. Além desse fato, há também o modo como descobrimos o genitivo plural dessa declinação.

Palavras parissílabas -  são aquelas que apresentam o mesmo número de sílabas tanto no nominativo quando no genitivo singular:

NOM.   -   GENIT.
auris,         auris
volucris,    volucris
nubis,        nubis  

Palavras imparissílabas - são aquelas que apresentam menos sílabas no nominativo e mais sílabas no genitivo:

NOM.   -   GENIT.
dux,           ducis
homo,        hominis
urbs,          urbis
nox,           noctium

Retirando-se a desinência do genitivo plural (-is), temos nomes que terminam em uma ou duas consoantes

Aur      -is                 volucr, -is
nub      -is                 urb,      -is
duc      -is                 noct,    -is
homin -is

Os nomes imparissílabos possuem o genitivo plural em -um:
Hominum, Ducum

Os nomes parissílabos possuem o genitivo plural em -ium
aurium, volucrium, nubium,

3ª - Os nomes imparissílabos que, retirado a terminação do genitivo singular, terminam com duas consoantes possuem o genitivo plural em -ium:
urbium, noctium.

quarta-feira, 21 de junho de 2017

Curso de Literatura - Parte 6 - Arcadismo

O Arcadismo surge no Brasil com a publicação de Obras Poéticas (1768) de Claudio Manuel da Costa.

O Arcadismo foi um movimento literário cujo objetivo era retomar a cultura greco-latina. O Arcadismo surge em um contexto de ruptura de paradigmas do período medieval que ainda insistiam em se fazer presente no século XVIII, mas que foram definitivamente superados com a eclosão do Revolução Francesa. 

O homem ocidental do século XVIII é produto do Iluminismo que acreditava que o progresso é resultado da busca da verdade fornecida pela razão (oposta a fé). O Iluminismo é resultado de acontecimentos culturais e históricos dos séculos XV e XVI, podemos destacar o Renascimento, que não foi um movimento homogêneo; a Revolução Comercial que propiciou o enriquecimento da burguesia, a Reforma Protestante, as Formações dos Estados Nacionais e o Absolutismo. Concretamente, podemos dizer que o resultado mais efetivo do Iluminismo foi a Independência das 13 Colônias.

O Arcadismo se aplica ao Iluminismo pelo resgate dos valores da cultura clássica, pela crítica as gastos faustosos da nobreza, que no Arcadismo foi expressada pela exaltação da vida humilde e rural, o racionalismo e a contenção em oposição a fé e a linguagem simples e direta contrapondo-se a linguagem rebuscada e cultista do Barroco.



    
O nome Arcadismo deriva do nome de uma região da Grécia chamada Arcádia que, segundo a mitologia, era dominada pelo deus Pan e cujos moradores eram pastores que viviam a fazer disputas poéticas a celebrar o amor e o prazer.

Torno a ver-vos, ó montes; o destino
Aqui me torna a pôr nestes outeiros, 
Onde um tempo os gabões deixei grosseiros 
Pelo traje da Corte, rico e fino.  

Aqui estou entre Almendro, entre Corino, 
Os meus fiéis, meus doces companheiros, 
Vendo correr os míseros vaqueiros 
Atrás de seu cansado desatino.        

Se o bem desta choupana pode tanto, 
Que chega a ter mais preço, e mais valia
Que, da Cidade, o lisonjeiro encanto, 

Aqui descanse a louca fantasia, 
E o que até agora se tornava em pranto
Se converta em afetos de alegria.

No Poema LXII de Claudio Manuel da Costa, percebe-se a idealização da vida campestre, o eu-lírico abandona o viver na cidade, sinônimo de riqueza e luxo, para viver uma vida plena de alegria e tranquilidade, apesar da aparente pobreza. Observe também que o soneto apresenta linguagem simples e direta, bem diferente do Barroco.

XIV

Quem deixa o trato pastoril amado 
Pela ingrata, civil correspondência, 
Ou desconhece o rosto da violência, 
Ou do retiro a paz não tem provado.

Que bem é ver nos campos transladado 
No gênio do pastor, o da inocência! 
E que mal é no trato, e na aparência 
Ver sempre o cortesão dissimulado!

Ali respira amor sinceridade; 
Aqui sempre a traição seu rosto encobre; 
Um só trata a mentira, outro a verdade.

Ali não há fortuna, que soçobre; 
Aqui quanto se observa, é variedade: 
Oh ventura do rico! Oh bem do pobre!

A vontade de abandonar a vida na cidade ainda não possível ao eu-lirico do soneto acima. O Fugere urbem um dos principais conceitos do Arcadismo, foi inspirado no poeta romano Horácio na antiguidade, e posteriormente foi um tema defendido por Rousseau por meio do bom selvagem.

Se não tivermos lãs e peles finas,
podem mui bem cobrir as carnes nossas
as peles dos cordeiros mal curtidas,
e os panos feitos com as lãs mais grossas.
Mas ao menos será o teu vestido
por mãos de amor, por minhas mãos cosido

A defesa de uma vida frugal, materialmente pobre mas feliz é um conceito do arcadismo chamado aureas mediocritas. O eu-lírico abandona a vida rica, luxuosa e infeliz na cidade por uma pobre, frugal e feliz.

XVIII

Aquela cinta azul, que o céu estende
A nossa mão esquerda, aquele grito,
Com que está toda a noite o corvo aflito
Dizendo um não sei quê, que não se entende;

Levantar me de um sonho, quando atende 
O meu ouvido um mísero conflito, 
A tempo, que o voraz lobo maldito 
A minha ovelha mais mimosa ofende;

Encontrar a dormir tão preguiçoso 
Melampo, o meu fiel, que na manada 
Sempre desperto está, sempre ansioso;

Ah! queira Deus, que minta a sorte irada: 
Mas de tão triste agouro cuidadoso 
Só me lembro de Nise, e de mais nada.

A proposta heterodoxa do Arcadismo, devido até mesmo ao racionalismo, é que o amor, ao ser cantado pelo eu-lírico, seja contido, sem grandes arroubos. Assim Vemos em Claudio Manuel da Costa um amor distanciado e o objeto amoroso (Nise) distante e sem muita participação. Ela é apenas citada em seus poemas.

Ah! não, minha Marília,
aproveite-se o tempo, antes que faça
o estrago de roubar ao corpo as forças, 
e ao semblante a graça.

O conceito do Carpe Diem está presente tanto no Barroco, quando no Arcadismo. Neste o Carpe Diem é uma proposta hedonista, sem qualquer tipo de preocupação moral ou de fé, já naquele, o Carpe Diem se vê envolvida também com a questão da fé, da moral, do julgamento, do inferno etc.

No Brasil, o Arcadismo tem ínicio com a publicação de Obras Poéticas (1768) de Claudio Manuel da Costa. O centro irradiador dos principais poetas do Arcadismo foi Vila Rica, atual Ouro Preto. O Arcadismo se confunde com a historia do Brasil por seus dois principais poetas também terem sido integrantes da Inconfidência Mineira. O movimento também se aproveitou do desenvolvimento econômico propiciada pela extração do ouro.

O Arcadismo adquiriu cor local ao chegar aqui: a natureza é mais "bruta e selvagem" comparada à natureza européia e,principalmente, o índio (em Uruguai, de Basílio da Gama  e Caramuru, de Santa Rita Durão) obtêm status de maior importância. No Romantismo, o índio passa a ter importância ainda maior.

Claudio Manuel da Costa (1729 - 1789) foi quem melhor expressou o Arcadismo brasileiro aos padrões europeus. Seu codinome barroco era Glauceste, um pastor que vivia a lamentar o amor não correspondido de Nise. O lírismo dele é condido e formal como dito anteriormente. Vejamos um exemplo de sua poesia:

Quando cheios de gosto, e de alegria
Estes campos diviso florescentes,
Então me vêm as lágrimas ardentes
Com mais ânsia, mais dor, mais agonia.

Aquele mesmo objeto, que desvia
Do humano peito as mágoas inclementes,
Esse mesmo em imagens diferentes
Toda a minha tristeza desafia.

Se das flores a bela contextura
Esmalta o campo na melhor fragrância,
Para dar uma idéia da ventura;

Como, ó Céus, para os ver terei constância,
Se cada flor me lembra a formosura
Da bela causadora de minha ânsia?

Tomás Antonio Gonzaga (1744 - 1810), conhecido pelo nome árcade Dirceu, é quem melhor expressa nosso Arcadismo, principalmente pelos poemas líricos Marília de Dirceu, que inclusive foi explorada na literatura de Cordel. O lirismo de Gonzaga é menos convencional e mais espontâneo, apontou em sua poesia traços autobiográficos e sua musa, Marília, foi baseada em uma pessoa real, Maria Dorotéia Seixas, com quem o poeta pretendia se casar, mas que não foi possível devido seu envolvimento com a Inconfidência e as consequentes condenações de prisão e de degredo para Moçambique. Leia um dos textos mais explorados de Gonzaga, em que ele dá pistas de sua prisão e do confisco de seus bens:

Eu, Marília, não fui nenhum Vaqueiro,
Fui honrado Pastor da tua aldeia;
Vestia finas lãs, e tinha sempre
A minha choça do preciso cheia.
Tiraram-me o casal, e o manso gado,
Nem tenho, a que me encoste, um só cajado.

Para ter que te dar, é que eu queria
De mor rebanho ainda ser o dono;
Prezava o teu semblante, os teus cabelos
Ainda muito mais que um grande Trono.
Agora que te oferte já não vejo
Além de um puro amor, de um são desejo.

Se o rio levantado me causava,
Levando a sementeira, prejuízo,
Eu alegre ficava apenas via
Na tua breve boca um ar de riso.
Tudo agora perdi; nem tenho o gosto
De ver-te aos menos compassivo o rosto.

..............................................

Ah! minha Bela, se a Fortuna volta,
Se o bem, que já perdi, alcanço, e provo;
Por essas brancas mãos, por essas faces
Te juro renascer um homem novo;
Romper a nuvem, que os meus olhos cerra,
Amar no Céu a Jove, e a ti na terra!

..............................................

Se não tivermos lãs, e peles finas,
Podem mui bem cobrir as carnes nossas
As peles dos cordeiros mal curtidas,
E os panos feitos com as lãs mais grossas.
Mas ao menos será o teu vestido
Por mãos de amor, por minhas mão cosido.

..............................................

Nas noites de serão nos sentaremos
C’os filhos, se os tivermos, à fogueira;
Entre as falsas histórias, que contares,
Lhes contarás a minha verdadeira.
Pasmados te ouvirão; eu entretanto
Ainda o rosto banharei de pranto.

Quando passarmos juntos pela rua,
Nos mostrarão c’o dedo os mais Pastores;
Dizendo uns para os outros: “Olha os nosso
“Exemplos da desgraça, e são amores”.
Contentes viveremos desta sorte,
Até que chegue a um dos dois a morte.

terça-feira, 30 de maio de 2017

Curso de Literatura- Parte 5 - Simbolismo

O Simbolismo surge no Brasil com a publicação de Missal (prosa) e Broqueis (poesia) de Cruz e Sousa no ano de 1893. Pelas poesias analisadas, percebe-se que os temas giram em torno basicamente da questão do auto-conhecimento e da auto-compreensão. A religião está presente, não como algo ortodoxo ou exterior ao indivíduo, mas como interior e heterodoxo. A realidade não está também no exterior, ela é criada a partir da subjetividade do sujeito.

Gustave Moreau - Vozes da noite

A questão da objetividade
Existem várias formas de capturar a realidade: alguém pode tentar capturá-la por meio da pintura, das artes cinematográficas, da fotografia. Mas todas elas não são a realidade, mas recortes dela. O fotógrafo escolhe o melhor ângulo, a melhor perspectiva para retratar sua interpretação da realidade. Assim como a fotografia, a literatura, segundo os simbolistas, também não é capaz de retratar objetivamente a realidade.

O Simbolismo surge durante o período que na França foi denominado como Belle Époque, marcado por sua eferverscência cultural e por seu desenvolvimento tecnológico. Na França, esse período corresponde aos anos de 1880 a 1914. No Brasil, que no período sofria muita influência da França, a Belle Époque ocorreu entre os anos de 1889 a 1922. Foi durante esses anos  que o mundo viu o surgimento de tecnologias que até hoje influenciam nossas vidas: o telefone, o telégrafo sem fio, o cinema, a motocicleta, o automóvel e, até mesmo, o avião. Assim como, com uns anos um pouco posterior ou anterior, que movimentos culturais e científicos surgiram, como a psicanalise

Baudelaire (1826 - 1867), por meio de seu poema Correspondências, dá as diretrizes do movimento Simbolista: 

A natureza é um templo em que vivas pilastras
deixam sair ás vezes obscuras palavras;
o homem a percorre através de florestas de símbolos 
que o observam com olhares familiares.

Como longos ecos que de longe se confundem
numa tenebrosa unidade,
vasta como a noite e como a claridade,
os perfumes, as cores e os sons se correspondem.

Há perfumes saudáveis como carnes de crianças,
doces como os oboés, verdes como as campinas, 
- e outros, corrompidos, ricos e triunfantes,

tendo a efusão das coisas infinitas, 
como o âmbar, o almíscar, o benjoim e o incenso,
que cantam os êxtases do espírito e dos sentidos.

Correspondências é um poema sinestésico: as palavras transcendem o sentido da visão alcançando outros como o tato, o olfato, a audição etc. A linguagem torna-se transcendente: a impressão percebida por um dos sentidos é transmitida aos outros. Os elementos concretos (pilastras, florestas) são símbolos de coisas imateriais.

Há movimentos literários que tentarão explicar as coisas concretas da vida: as ações e os relacionamentos, os comportamentos humanos, outras focarão seus olhos no universo interior do indivíduo: as sensações, as motivações psicológicas, os sentimentos. É dessa oscilação entre o concreto e o abstrato, entre o real e o irreal que os movimentos irão tentar explicar o mundo, representando-a metonimicamente (Classicismo, Realismo) ou metafóricamente (Romantismo, Simbolismo).

A linguagem da poesia Simbolista não vai explicar, mas sugerir a realidade por meio de símbolos, imagens, metáforas, sinestesias e sonoridades, como no poema de Cruz de Sousa abaixo, Violões que Choram:


Ah! plangentes violões dormentes, mornos,
Soluços ao luar, choros ao vento...
Tristes perfis, os mais vagos contornos,
Bocas murmurejantes de lamento.

Noites de além, remotas, que eu recordo,
Noites da solidão, noites remotas
Que nos azuis da Fantasia bordo,
Vou constelando de visões ignotas.

Sutis palpitações à luz da lua,
Anseio dos momentos mais saudosos,
Quando lá choram na deserta rua
As cordas vivas dos violões chorosos.

Quando os sons dos violões vão soluçando,
Quando os sons dos violões nas cordas gemem,
E vão dilacerando e deliciando,
Rasgando as almas que nas sombras tremem.

Harmonias que pungem, que laceram,
Dedos nervosos e ágeis que percorrem
Cordas e um mundo de dolências geram
Gemidos, prantos, que no espaço morrem...

E sons soturnos, suspiradas mágoas,
Mágoas amargas e melancolias,
No sussurro monótono das águas,
Noturnamente, entre ramagens frias.

Vozes veladas, veludosas vozes,
Volúpias dos violões, vozes veladas,
Vagam nos velhos vórtices velozes
Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.

Tudo nas cordas dos violões ecoa
E vibra e se contorce no ar, convulso...
Tudo na noite, tudo clama e voa
Sob a febril agitação de um pulso.

Que esses violões nevoentos e tristonhos
São ilhas de degredo atroz, funéreo,
Para onde vão, fatigadas do sonho,
Almas que se abismaram no mistério.

Analisando o poema, percebemos que a presença de certas palavras (violôes dormentes, vagos contornos, noites de além, remotas) passam ao leitor a sensação de opacidade, de sonho ou mesmo de uma imagem indefinida. Devemos nos lembras que o Simbolismo, em lugar de tentar representar as coisas fielmente, apenas sugere um estado de alma. Transcendendo o nível linguístico, a aliteração das consoantes V, evoca os sons produzidos pelo movimento dos dedos nas cordas do violão (Vozes veladas, veludosas vozes), a personificação (ou prosopopéia) quando diz, por exemplo, violões nevoentos e tristonhos e a sinestesia (Ah! plangentes violões dormentes, mornos ou Que nos azuis da Fantasia bordo). 

Características do Simbolismo
O misticismo, religião e espiritualismo estão presentes. O cristianismo é interpretado menos ortodoxamente pelos simbolistas brasileiros.

O ser que é ser e que jamais vacila 
Nas guerras imortais entra sem susto, 
Leva consigo esse brasão augusto 
Do grande amor, da nobre fé tranqüila.

Os abismos carnais da triste argila 
Ele os vence sem ânsias e sem custo... 
Fica sereno, num sorriso justo, 
Enquanto tudo em derredor oscila.

Ondas interiores de grandeza 
Dão-lhe essa glória em frente à Natureza, 
Esse esplendor, todo esse largo eflúvio.

O ser que é ser tranforma tudo em flores... 
E para ironizar as próprias dores 
Canta por entre as águas do Dilúvio!

Na primeira estrofe, temos a expressão o ser que é ser,  que nos traz a mente que o ser é construído internamente e não exteriormente: o ser não é ter, o ser é ser. Na Bíblia, durante o encontro de Moisés com Jeová, o pastor pergunta o nome de D'aquele que falava com ele, ao que responde: Eu Sou.  As guerras travadas são imortais, ou seja, transcendem o material, a triste argila com que é feito o corpo carnal. o ser que é ser não vive a situação de modo passivo, mas ativo, combativo e sereno  porque transforma tudo em flores Pode o mundo oscilar e vacilar, poderá cair mil a sua direita e dez mil a sua esquerda, mas ele não será atingido. 

Transcendência é aquilo que excede os limites da normalidade, é também uma tentativa de ver além das aparências, mas a essência das coisas, A Transcendência e a integração côsmica também são elementos encontrados no Simbolismo:
Para as Estrelas de cristais gelados 
As ânsias e os desejos vão subindo, 
Galgando azuis e siderais noivados 
De nuvens brancas a amplidão vestindo... 

Num cortejo de cânticos alados 
Os arcanjos, as cítaras ferindo, 
Passam, das vestes nos troféus prateados, 
As asas de ouro finamente abrindo... 

Dos etéreos turíbulos de neve 
Claro incenso aromal, límpido e leve, 
Ondas nevoentas de Visões levanta... 

E as ânsias e os desejos infinitos 
Vão com os arcanjos formulando ritos
Da Eternidade que nos Astros canta...

As angustias, provocadas por um desejo irrefletido, um desejo não-motivacional, que não faz o homem avançar são levados ao céu, às amplidões do espaço infinto. O mal desejo é levado pelos arcanjos em cortejos alados, a semelhança de incensos.

Loucura e atração pela morte, elementos que aproximam os Simbolistas dos Ultra-romanticos, também podem ser identificados:
Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar…
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar…
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar…

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar…
Estava perto do céu,
Estava longe do mar…

E como um anjo pendeu
As asas para voar…
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar…

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par…
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar…

Um dos mais belos poemas da literatura brasileira, Ismália abre seus braços e caindo no mar, sobe aos céus. O poema apresenta estrutura paralelística  e redondilha maior (7 sílabas poéticas) do mesmo modo que era usada no período medieval. Por outro lado, retoma temas presentes no Romantismo, a loucura e a morte, também, a semelhança do Barroco; as antíteses e os conflitos entre a realidade material e espiritual. É uma narrativa que conta a história da loucura de Ismália, triste, belo e lírico.

O questionamento da razão e da existência humana:
Com a lâmpada do Sonho desce aflito 
E sobe aos mundos mais imponderáveis, 
Vai abafando as queixas implacáveis, 
Da alma o profundo e soluçado grito.

Ânsias, Desejos, tudo a fogo, escrito 
Sente, em redor, nos astros inefáveis. 
Cava nas fundas eras insondáveis 
O cavador do trágico Infinito.

E quanto mais pelo Infinito cava 
mais o Infinito se transforma em lava 
E o cavador se perde nas distâncias...

Alto levanta a lâmpada do Sonho. 
E como seu vulto pálido e tristonho 
Cava os abismos das eternas ânsias!  

O sonho é uma ferramenta de auto-conhecimento penetrando o inconsciente (mundos imponderáveis). O cavador vai abafando (ou ocultando) as queixas da alma. É interessante notar que ao mesmo tempo em que o sonho é uma ferramenta de escavação, ele também é uma lâmpada que ilumina os sentimentos do cavador. Cava nas fundas eras insondáveis quer dizer que as causas dos desejos e  das angustias estão em um momento já perdido pelo tempo. O poema não apresenta uma solução ou uma explicação para o eu-lírico, portanto é uma busca sem fim (E quanto mais pelo Infinito cava / mais o Infinito se transforma em lava).

sexta-feira, 19 de maio de 2017

Curso de Literatura - Parte 4 - Trovadorismo

O Trovadorismo não faz parte da literatura brasileira, mas é importante porque junto aos autos de Gil Vicente e o Classicismo são movimentos antecessores de nossa literatura nacional e, mais ainda importante porque é ela que marca o início da literatura em língua portuguesa.

A primeira cantiga que se tem noticia foi a de Paio Soares Taveiro (1189 ou 1198), a cantiga de amor chamada de Cantiga da Ribeirinha. 



O estudo do Trovadorismo abrange o período correspondente ao início do surgimento de Portugal como reino nacional, por volta dos anos 1100 e até o final do Período Medieval.

Os poemas produzidos na época são chamadas de cantigas por serem acompanhadas por instrumentos musicais e também por danças de modo que os textos que nos chegaram do Trovadorismo, na verdade, são originalmente textos orais. Seus autores eram membros do clero e da nobreza. As cantigas podem ser classificadas, quanto ao conteúdo como líricas (Cantigas de Amigo e Cantigas de Amor) ou satíricas (Cantigas de Escárnio e Cantigas de Maldizer). 

As Cantigas de Amigo, cujo eu-lirico é feminino, retratam um espaço rural e popular. Nelas o eu-lírico lamenta, geralmente, a ida do amigo (namorado) para a guerra contra os muçulmanos. 

Vaiamos, irmana, vaiamos dormir
nas ribas do lago u eu andar vi
      a las aves meu amigo.
  
Vaiamos, irmana, vaiamos folgar
nas ribas do lago u eu vi andar
     a las aves meu amigo.
  
Nas ribas do lago u eu andar vi,
seu arco na mãao as aves ferir,
     a las aves meu amigo.
  
Nas ribas do lago u eu vi andar,
seu arco na mãao a las aves tirar,
       a las aves meu amigo.
  
Seu arco na mano as aves ferir
e las que cantavam leixa-las guarir,
      a las aves meu amigo.
  
Seu arco na mano a las aves tirar
e las que cantavam non'as quer matar
       a las aves meu amigo.
Vamos, irmã, vamos dormir
nas margens do lago onde eu  vi andar meu namorado  a (caçar) as aves.
  
Vamos, irmã, vamos folgar
nas margens do lago onde eu vi meu amigo andar (a procurar) as aves.
  
Nas margens do lago onde eu a andar o vi,
seu arco na mão as aves ferir,
     as aves meu namorado.
  
Nas margens do lago onde eu o vi a andar,
seu arco na mão a as aves flechar,
     as aves meu namorado.
  
Seu arco na mão as aves ferir
e as que cantavam deixa-as partir,
      as aves meu namorado.
  
Seu arco na mão as aves flechar
e as que cantavam não as quer matar
       as aves meu namorado.

Linguisticamente, as cantigas de amigo, cuja origem é popular, são mais simples do que as de amor. Sua estrutura é paralelística, ou seja, certos estrofes e versos se repetem com pouca alterações talvez para facilitar a memorização do poema, para dar ritmo e musicalidade. Há um outro tipo de paralelismo chamado leixa-pren (deixa e pega de volta) que no poema acima ocorre no segundo verso da primeira estrofe (nas ribas do lago u eu andar vi) e se repete na primeiro verso da quarta estrofe (Nas ribas do lago u eu vi andar,).

Perguntar-vos quero por Deus
Senhor fremosa, que vos fez
mesurada e de bon prez,
que pecados foron os meus
     que nunca tevestes por ben
     de nunca mi fazerdes ben.

Pero sempre vos soub'amar
des aquel dia que vos vi,
mays que os meus olhos en mi,
e assy o quis Deus guisar,
     que nunca tevestes por ben
     de nunca mi fazerdes ben.

Des que vos vi, sempr'o maior
ben que vos podia querer
vos quigi, a todo meu poder,
e pero quis Nostro Senhor
     que nunca tevestes por ben
     de nunca mi fazerdes ben.

Mays, senhor, ainda con ben
se cobraria ben por ben.
Perguntar-vos quero, por Deus,
Senhora formosa, que vos fez
prudente e honrada,
quais pecados foram os meus
     que nunca me tivestes por bem
     visto que nunca a mim fazerdes bem.

Porém sempre vos soube amar
desde aquele dia em que vos vi,
mais que os meus olhos em mim,
e assim o quis Deus decidir,
     que nunca me tivestes por bem
     visto que nunca a mim fizerdes bem.

Desde que vos vi, sempre o maior
bem que vos podia querer
a vos dediquei de todo o meu coração,
porém quis Nosso Senhor
     que nunca me tivestes por bem
     visto que nunca a mim fazerdes bem.

Mais, senhora, ainda com o bem
se cobraria bem por bem.

Como se percebe, a cantiga de amor acima apresenta uma estrutura mais complexa e mais bem elaborada do que a cantiga de amigo apresentada anteriormente. As cantigas de amor possuem raízes na cultura aristocrática das cortes. O eu-lírico é masculino e dedica um amor subordinado às convenções morais da época: a figura da mulher é distanciada fisicamente do eu-lírico, sua honra e eu nome devem ser preservados, o amor deve ser casto na medida do possível. A ambientação é urbana e o eu-lírico, como dito anteriormente, é masculino.

Abaixo uma bela versão de uma cantiga de amigo executada originalmente pelo grupo de rock Legião Urbana e ampliada pelo músico Marcelino Ferrer


A cantiga de escarnio e de maldizer é a primeira experiência de poesia satírica em língua portuguesa. Sua estrutura formal é mais livre que as outras cantigas. As cantigas de escárnio não apresentam os nomes daqueles que serão zombados pelo trovador, as de maldizer, além de apresentar os nomes  da pessoa, ainda apresentam palavras obscenas e críticas mais diretas.   As cantigas de escárnio são sutis, linguisticamente mais elaboradas por apresentar figuras como a ironia, as sutilezas, os trocadilhos etc.

Por meio delas é possível compreender a cultura, a sociedade, a moralidade e a linguagem da época. vejamos alguns exemplos:

Maria Pérez se maenfestou
noutro dia, ca por [mui] pecador
se sentiu, e log'a Nostro Senhor
pormeteu, polo mal em que andou,
que tevess'um clérig'a seu poder,
polos pecados que lhi faz fazer
o Demo, com que x'ela sempr'andou.
 
Maenfestou-se ca diz que s'achou
pecador muit', e por en rogador
foi log'a Deus, ca teve por melhor
de guardar a El ca o que a guardou;
e mentre viva, diz que quer teer
um clérigo com que se defender
possa do Demo, que sempre guardou.

E pois que bem seus pecados catou,
de sa mort'houv'ela gram pavor
e d'esmolnar houv'ela gram sabor;
e log'entom um clérigo filhou
e deu-lh'a cama em que sol jazer,
e diz que o terrá, mentre viver;
e est'afã todo por Deus filhou.
 
E pois que s'este preito começou
antr'eles ambos houve grand'amor
antr'ela sempr'[e] o Demo maior,
atá que se Balteira confessou; 
mais, pois que vio o clérigo caer
antr'eles ambos, houv'i a perder
o Demo, des que s'ela confessou.
Maria Pérez se confessou
noutro dia, porque  muito pecadora
se sentiu, e logo a Nosso Senhor
prometeu, pelo mal em que andou,
que tivesse um clérigo em seu poder,
pelos pecados que lhe faz fazer
o Demo, com que ela sempre andou.
 
Confessou-se porque diz que se achou
muito pecadora, e por intercessor
foi logo a Deus, porque teve por melhor
de guardar a Ele porque  a guardou;
e enquanto  viva, diz que quer ter
um clérigo com que se  possa defender do Demo, que sempre guardou.

E depois que bem seus pecados procurou,
de sua morte teve ela grande pavor
e de esmolar teve ela grande prazer;
e logo então um clérigo agarrou
e deu-lhe a cama em que dormia só,
e diz que o terá, enquanto viver;
e este tormento todo por Deus agarrou.
 
E depois que este preito começou
entre eles ambos houve grande amor
entre ela sempre o Demo maior,
até que se Balteira confessou; 
mas, pois que viu o clérigo cair
entre eles ambos, houve a perder
o Demo, desde que ela se confessou.

As doze virtudes do bom professor segundo São João Batista de la Salle 1. A Seriedade

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