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terça-feira, 4 de julho de 2017

Curso de Literatura - parte 7 - Realismo/Naturalismo

O violeiro - Almeida Junior (1850 - 1899)
A segunda metade do século XIX foi um período de consolidação de correntes ideológicas e científicas que ainda influem na contemporaneidade e ainda é base para teorias que surgem a cada dia. Na segunda metade do século XIX, Charles Darwin pública A origem das espécies (1859), Louis Pasteur cria o processo derivado de seu nome, a pasteurização (1864), Freud e Breuer passam a utilizar a hipnose para o tratamento das doenças da mente (1895) e Karl Marx lança O Capital (1867). Taine defende o determinismo criado pelo meio, pela raça e pelo período histórico.Mas muitas outras invenções e teorias surgiram nos últimos cinquenta anos do século XIX.

A segunda metade do século XIX também vê o surgimento de três movimentos literários que muito influenciaram nossa literatura: o Realismo/Naturalismo e o Parnasianismo. Estes três movimentos literários foram ideologicamente opostos ao Romantismo que defendia, entre outras coisas, uma visão de mundo subjetiva e parcial, a fuga da realidade (por meio do saudosismo ou idealismo do passado) e criação de heróis que expressem a grandeza nacional. O Realismo/Naturalismo, por outro lado, defendiam um visão objetiva, fiel e sem distorção, as falhas e os defeitos da sociedade e os comportamentos das pessoas seriam apontados e criticados e, por fim, o herói romântico seria substituído por pessoas comuns.

As principais obras que iremos usar para definir o Realismo/Naturalismo serão Memórias póstumas de Brás Cubas (1881) que inaugura o Realismo no Brasil e Dom Casmurro (1899), ambas de Machado de Assis (1839 - 1908); O cortiço (1881) de Aluísio Azevedo (1857 - 1913)

Objetividade na descrição das personagens e na realidade que as cercam
O autor realista e naturalista irão descrever personagens e ações que poderiam ocorrer no mundo real. Inclusive mostrar que, assim como as pessoas do mundo real, as personagens podem agir por egoismo, soberba avareza. Ainda assim, essas coisas não a tornam ruins ou más, apenas "pessoas reais:"

Não houve lepra, mas há febres por todas essas terras humanas, sejam velhas ou novas. Onze meses depois, Ezequiel morreu de uma febre tifóide, e foi enterrado nas imediações de Jerusalém, onde os dois amigos da universidade lhe levantaram um túmulo com esta inscrição, tirada do profeta Ezequiel, em grego: "Tu eras perfeito nos teus caminhos”.Mandaram-me ambos os textos, grego e latino, o desenho da sepultura, a conta das despesas e o resto do dinheiro que ele levava; pagaria o triplo para não tornar a vê-lo.
Como quisesse verificar o texto, consultei a minha Vulgata, e achei que era exato, mas tinha ainda um complemento: "Tu eras perfeito nos teus caminhos, desde o dia da tua criação”.Parei e perguntei calado: "Quando seria o dia da criação de Ezequiel?" Ninguém me respondeu. Eis aí mais um mistério para ajuntar aos tantos deste mundo. Apesar de tudo, jantei bem e fui ao teatro. 

Acima está transcrito o penúltimo capítulo de Dom Casmurro que apesar da frieza em relação ao filho, que ele julgava ser na verdade de seu ex-melhor amigo, Escobar, desejaria na verdade que o rapaz fosse seu filho e não filho do amigo finado, conforme o trecho do capítulo anterior a este:

Prometi-lhe recursos, e dei-lhe logo os primeiros dinheiros precisos. Como disse que uma das conseqüências dos amores furtivos do pai era pagar eu as arqueologias do filho; antes lhe pegasse a lepra... Quando esta idéia me atravessou o cérebro, senti-me tão cruel e perverso que peguei no rapaz, e quis apertá-lo ao coração, mas recuei; encarei-o depois, como se faz a um filho de verdade; os olhos que ele me deitou foram ternos e agradecidos.

Descrição objetiva captando o real como ele é
Não há da parte do narrador em dourar a pílula, sua intenção é descrever aquilo que vê sem qualquer tipo de tentativa em idealizar a figura feminina, por exemplo.
Tudo nela era atenuado e passivo. O próprio rosto era mediano, nem bonito nem feio. Era o que chamamos uma pessoa simpática. Não dizia mal de ninguém, perdoava tudo. Não sabia odiar; pode ser até que não soubesse amar.

Trecho original da crônica A missa do galo, observa-se a forma como narrador descreve a personagem Conceição, que algumas mais tarde será objeto dos desejos eróticos do próprio narrador. A descrição de Conceição está relacionada também a caracterização psicológica da personagem.

A mulher não é idealizada
Diferentemente do Romantismo, o Realismo/Naturalismo retrata a mulher conforme outro ser humano qualquer, inclusive o adultério é o mais das vezes parte da mulher. Observe como o narrador descreve de modo sensual a personagem Rita Baiana de O cortiço:

Rita havia parado em meio do pátio.
Cercavam-na homens, mulheres e crianças; todos queriam novas dela. Não vinha em traje de domingo; trazia casaquinho branco, uma saia que lhe deixava ver o pé sem meia num chinelo de polimento com enfeites de marroquim de diversas cores. No seu farto cabelo, crespo e reluzente, puxado sobre a nuca, havia um molho de manjericão e um pedaço de baunilha espetado por um gancho. E toda ela respirava o asseio das brasileiras e um odor sensual de trevos e plantas aromáticas. Irrequieta, saracoteando o atrevido e rijo quadril baiano, respondia para a direita e para a esquerda, pondo à mostra um fio de dentes claros e brilhantes que enriqueciam a sua fisionomia com um realce fascinador.

O narrador não idealiza a personagem, pelo contrário, descreve detalhadamente o modo simplório com que ela se veste e também generaliza uma pretensa sensualidade presente em todas as brasileiras. No Realismo/Naturalismo, a figura feminina é condizente com a realidade. Elas deixam de ser figuras etéreas. Passam a ser movidas por vontades e desejos, usam da sensualidade para alcançar seus objetivos

O casamento é fruto das conveniências sociais e financeiras
Conforme a passagem abaixo de O Cortiço, Miranda, o português comerciante, decide não deixar a esposa, apesar do flagrante adultério da mulher:

Estela era uma mulherzinha levada da breca: achava-se casada havia treze anos e durante esse tempo dera ao marido toda sorte de desgostos. Ainda antes de terminar o segundo ano de matrimônio, o Miranda pilhou-a em flagrante delito de adultério; ficou furioso e o seu primeiro impulso foi de mandá-la para o diabo junto com o cúmplice; mas a sua casa comercial garantia-se com o dote que ela trouxera, uns oitenta contos em prédios e ações da divida publica, de que se utilizava o desgraçado tanto quanto lhe permitia o regime dotal. Além de que, um rompimento brusco seria obra para escândalo, e, segundo a sua opinião, qualquer escândalo doméstico ficava muito mal a um negociante de certa ordem. Prezava, acima de tudo, a sua posição social e tremia só com a idéia de ver-se novamente pobre, sem recursos e sem coragem para recomeçar a vida, depois de se haver habituado a umas tantas regalias e afeito à hombridade de português rico que já não tem pátria na Europa.

Miranda acostumou-se com a vida de comerciante bem sucedido no Brasil e prefere suportar os deslizes da esposa, separando-se somente na cama, mas vivendo sob o mesmo teto, apesar das brigas constantes. O casamento é meio de ascensão social e por ele, os personagens preferem se submeter às situações humilhantes a perder os privilégios conquistados pelo casamento.

O amor não-idealizado e subordinado a interesses sociais
Brás Cubas relata a seguir seu sentimento quando Virgília parte com o marido Lobo Neves, no capítulo anterior (CXIV), há o diálogo de despedida entre os amantes sem nenhum tipo de arrebatamento sentimental, promessas de amor ou outra coisa qualquer, somente um diálogo entre conhecidos sem tipo algum de envolvimento.

Não a vi partir; mas à hora marcada senti alguma coisa que não era dor nem prazer, uma coisa mista, alívio e saudade, tudo misturado, em iguais doses. Não se irrite o leitor com esta confissão. Eu bem sei que, para titilar-lhe os nervos da fantasia, devia padecer um grande desespero, derramar algumas lágrimas, e não almoçar. Seria romanesco; mas não seria biográfico.

Protagonistas imperfeitos
O Realismo/Naturalismo apresenta protagonistas imperfeitos, como foi dito anteriormente. Veja como Jerônimo, personagem de O cortiço. Aluísio Azevedo dedica ao personagem o capítulo V quase que inteiro para descrever a força moral do personagem recém-chegado ao Brasil, somente será citado um pequeno trecho deste capítulo sobre a consideração que os outros personagens dedicavam a Jeronimo:

O prestígio e a consideração de que Jerônimo gozava entre os moradores da outra estalagem donde vinha, foram a pouco e pouco se reproduzindo entre os seus novos companheiros de cortiço.

Mas, conforme a teoria de determinista de Taine, Jeronimo se degenera e passa a reproduzir os costumes da terra:

E assim, pouco a pouco, se foram reformando todos os seus hábitos singelos de aldeão português: e Jerônimo abrasileirou-se. 

Narrativa lenta e tempo psicológico
A narrativa arrasta-se no tempo psicológico do narrador, de modo que uma hora parece horas intermináveis. O narrador de Missa do galo não percebe o tempo passar:

Concordei em dizer alguma coisa, para sair daquele sono magnético ou o que quer que era e me tolhia a língua e os sentidos. [...] Chegamos a ficar algum tempo - não sei dizer quanto - inteiramente calados.

Finalmente, para concluir essa postagem, vale dizer que o Naturalismo diferenciava-se do Realismo, por aquele tentar fazer uma descrição objetiva da realidade por meio de pressupostos científicos. O autor naturalista percebia-se como um cientista que analisa grupos humanos e analisa suas ações para chegar a alguma conclusão. Por esse motivo chamam o Naturalismo de romance de tese.

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