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sábado, 8 de abril de 2017

Curso de Literatura - Parte 3 - Barroco

O Barroco não pode ser considerado como literatura brasileira se tivermos como comparação o Romantismo, por exemplo. O Brasil ainda era uma colonia portuguesa e até mesmo as pessoas que aqui havia naquele período, talvez nem mesmo se considerassem brasileiros como nós nos consideramos hoje. Logo, o Barroco é uma literatura portuguesa com características nativistas. 

Alguns estudiosos consideram o nascimento do Barroco a partir da publicação de Prosopopeia (1601) de Bento Teixeira (alguns dizem que ele nasceu em Olinda, outros na cidade do Porto). Prosopopeia é um poema épico que procurou imitar Os Lusíadas  (1572) de Luís Vaz de Camões. 

Alguns contextos históricos são necessários para conhecermos adequadamente esse movimento artístico. Ele surge em um momento econômico em que o metalismo, ou seja, uma balança comercial favorável e o acumulo de riquezas eram buscados pelos países. Politicamente, o absolutismo era o regime político das nações europeias. Naquele período, havia três classes sociais: a nobreza, o clero e o terceiro estado formado por camponeses, artesãos e burgueses (banqueiros, comerciantes etc). Os burgueses financiavam a nobreza por meio de empréstimos para que estes pudessem manter alguns luxos mas principalmente alguns empreendimentos que requereriam capital. E finalmente, o contexto religioso da Reforma e da Contra-Reforma cujo objetivo era frear a expansão protestante e recuperar as áreas perdidas para a nova religião criada por Lutero (1483 - 1586).

São Jeronimo (1606) Caravaggio


Gregório de Matos (1633(?) - 1696)
Nascido em Salvador, estudou Direito em Portugal e tornou-se juiz. Retorna ao Brasil em 1981, e torna-se tesoureiro-mor e vigário-geral, mas abandona o hábito. Por desavenças políticas, foi exilado em Angola, e proibido de entrar na Bahia, morre em Recife. Dedicou-se à poesia lírica, à religiosa, à filosófica e, também, à satírica.

Vamos estudar alguns textos barrocos e identificar os conceitos e os temas presentes nesse movimento. O Barroco possui predileção por temas religiosos, percebidos principalmente por meio dos conflitos morais e espirituais tão presentes nesse período:

(Texto 1)
A vós correndo vou, braços sagrados,
Nessa cruz sacrossanta descobertos
Que, para receber-me, estais abertos,
E, por não castigar-me, estais cravados.

A vós, divinos olhos, eclipsados
De tanto sangue e lágrimas abertos,
Pois, para perdoar-me, estais despertos,
E, por não condenar-me, estais fechados.

A vós, pregados pés, por não deixar-me,
A vós, sangue vertido, para ungir-me,
A vós, cabeça baixa, p'ra chamar-me

A vós, lado patente, quero unir-me,
A vós, cravos preciosos, quero atar-me,
Para ficar unido, atado e firme.

Conhecedor da missão salvacionista da encarnação e morte de Cristo, o eu-lírico tomando consciência de suas atitudes pecaminosas corre para os braços do Salvador que para abraça-lo estão abertos e para castigá-lo, estão cravados. Para não condenar, os olhos do Cristo estão eclipsados pelo sangue e lagrimas, mas despertos para perdoar. 

(Texto 2)
Pequei Senhor, mas não porque hei pecado,
Da vossa alta clemência me despido;
Porque quanto mais tenho delinquido
Vos tem a perdoar mais empenhado.

Se basta a vos irar tanto pecado,
A abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que a mesma culpa que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha perdida e já cobrada
Glória tal e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na sacra história.

Eu sou, Senhor a ovelha desgarrada,
Recobrai-a; e não queirais, pastor divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.

Nesse outro poema, o eu-lírico, chantageia Cristo. A princípio afirma que é pecador, mas que seu pecado não é ter se afastado dEle. Seus pecados são outros e são muitos (mais tenho delinquido) e consequentemente, quando mais peca, mais o Senhor o perdoa porque essa é a atitude que se espera do Salvador. Ainda que o pecado O ire, basta apenas um gemido do pecador para que o perdão seja dispensado. Retomando o texto bíblico da ovelha perdida, o eu-lírico afirma que a alegria de ter uma ovelha dentro do aprisco não é maior do que trazer de volta a ovelha descarrada já que deixá-la perdida fará com que Nosso Senhor perca a glória se a deixar perdida. De modo bem humorado, o eu-lírico admite que não é obrigação dele deixar de pecar, mas de Cristo perdoá-lo todas as vezes que cometer um pecado sob pena de perder na vossa ovelha a vossa glória.

O poema ainda nos leva a refletir sobre um conceito importantíssimo do Barroco: o Carpe Diem. Todos sabemos que a passagem do indivíduo na terra é breve, . Os momentos de prazeres e gozo são mais breves ainda, o que faz com as pessoas aproveitem ao máximo esses momentos e, se possível, estende-los. O gozo intenso dos prazeres mundanos leva facilmente a pessoa a hedonismo, isto é, a busca incessante des mais e mais situações prazerosas. Quem vive assim, fatalmente, se teve uma educação religiosa, terá que enfrentar, em algum momento, a questão do pecado. Voltando ao ao tema do curso, o homem  barroco vivia essa questão moral: se entregar aos prazeres ou simplesmente rejeitá-los. Iremos ver essa dúvida recorrentemente nos textos

O Barroco usou e abusou das figuras de linguagem, principalmente das antíteses (nas artes plásticas a antítese pode ser percebida pelo jogo de luz e sombra), metáforas e metonímias (que podem ser observadas no texto 1 em que o sofrimento de Cristo é transmitido ao leitor pelas partes que se destacam durante a crucificação: braços, olhos e pés). 

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia, 
Depois da Luz se segue a noite escura, 
Em tristes sombras morre a formosura, 
Em contínuas tristezas a alegria. 
Porém se acaba o Sol, por que nascia? 
Se formosa a Luz é, por que não dura? 
Como a beleza assim se transfigura? 
Como o gosto da pena assim se fia?

Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza, 
Na formosura não se dê constância, 
E na alegria sinta-se tristeza.

Começa o mundo enfim pela ignorância, 
E tem qualquer dos bens por natureza 
A firmeza somente na inconstância

No poema acima, a vida é metaforicamente associada ao dia e a morte, à noite. A antítese está presente na própria oposição entre vida e morte, luz e sombra, dia e noite. A transitoriedade é lamentada, não porque ela é passageira, mas porque após um estado de felicidade, segue o da infelicidade. O poeta pergunta, para que o Sol, se um dia acabará, para que a luz se não há de durar, para que a beleza se em feiura há de se transformar, o eu-lírico sugere ao leitor: porque há falta de firmeza no sol e na luz, a formosura  não é constante e na alegria, se sinte tristeza. A única coisa que o leitor deve saber, portanto, é que a única lei do mundo é a transformação.

Não vi em minha vida a formosura,
Ouvia falar nela cada dia,
E ouvida me incitava, e me movia
A querer ver tão bela arquitetura.

Ontem a vi por minha desventura
Na cara, no bom ar, na galhardia
De uma Mulher, que em Anjo se mentia,
De um Sol, que se trajava em criatura.

Me matem (disse então vendo abrasar-me)
Se esta a cousa não é, que encarecer-me.
Sabia o mundo, e tanto exagerar-me.

Olhos meus (disse então por defender-me)
Se a beleza hei de ver para matar-me,
Antes, olhos, cegueis, do que eu perder-me.

A beleza nessa poesia lírica é idealizada e imaterial, não há termo algum comparativo. A beleza é imaginada fazendo com que o eu-lírico a procure. O poeta encontra a beleza na forma de mulher que que ele compara com um anjo brilhante como o sol, ou seja inacessível e imaterial por ser anjo. Assim como o sol esquenta, essa mulher também abrasa o poeta que na estrofe seguinte, como se fizesse um gesto de cobrir os olhos, diz que prefere ficar cego a morrer ao ver tão bela criatura (Se um dos teus olhos te faz pecar, arranca-o, e lança-o fora de ti, pois melhor é entrares na vida com um olho só, do que, tendo os dois, seres lançado no fogo do inferno. MT. 18:9.)

Que falta nesta cidade?... Verdade.
Que mais por sua desonra?... Honra.
Falta mais que se lhe ponha?... Vergonha.

O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
Numa cidade onde falta
Verdade, honra, vergonha.

Quem a pôs neste rocrócio?... Negócio.
Quem causa tal perdição?... Ambição.
E no meio desta loucura?... Usura.

Notável desaventura
De um povo néscio e sandeu,
Que não sabe que perdeu
Negócio, ambição, usura.

(...)

Que vai pela clerezia?... Simonia.
E pelos membros da Igreja?... Inveja.
Cuidei que mais se lhe punha?... Unha

Sazonada caramunha,
Enfim, que na Santa Sé
O que mais se pratica é
Simonia, inveja e unha.

E nos frades há manqueiras?... Freiras.
Em que ocupam os serões?... Sermões.
Não se ocupam em disputas?... Putas.

Com palavras dissolutas
Me concluo na verdade,
Que as lidas todas de um frade
São freiras, sermões e putas.

O açúcar já acabou?... Baixou.
E o dinheiro se extinguiu?... Subiu.

Logo já convalesceu?... Morreu.

A sátira é um caso a parte do nosso Barroco já que foge das características atribuídas a ele. É um retrato de Salvador a época. Podemos dizer que é, de certa maneira, um prenúncio das literaturas que tinha como fundamento retratar a realidade. De qualquer modo, são bastantes engraçadas e não deixam de ser bem atuais.

Padre Antonio Vieira (1608 - 1697)
Português de nascimento, com sete anos, veio morar no Brasil. Com quinze anos, ingressou na Ordem da Companhia de Jesus. Sua obra está relacionada com as atividades que desempenhou como religioso, conselheiro e também embaixador.

O Cultismo é o refinamento formal dos textos Barrocos. Ele ocorria principalmente nos empregos das inversões sintáticas e também no emprego de figuras. O Conceptismo, outro termo muito importante para o estudo do Barroco, era as sutilezas de raciocínios e de pensamentos lógicos com o intuído de convencer e ensinar o leitor ou ouvinte. Foi muito empregado nos Sermões do Padre António Vieira:

A uns mártires penduravam pelos cabelos, ou por um pé, ou por ambos, ou pelos dedos polegares, e assim, no ar e despidos, com azorragues de nervos rematados em pelotas de chumbo ou abrolhos de aço, os batiam e martelavam com tal força e continuação os cruéis e robustos algozes, que ao princípio açoitavam corpos, depois feriam as mesmas chagas ou uma só chaga, até que não tinham já que açoitar nem ferir. A outros, estirados e desconjuntados no ecúleo, ou estendidos na catasta, aravam ou cardavam os membros com pentes e garfos de ferro, a que propriamente chamavam escorpiões, ou metidos debaixo de grandes pedras de moinho, lhes espremiam como em lagar o sangue, e lhes moíam e imprensavam os ossos, até ficarem uma pasta confusa, sem figura nem semelhança do que dantes eram. A outros cobriam todos de pez, resina e enxofre, e, ateando-lhes o fogo, os faziam arder em pé como tochas ou luminárias nas festas dos ídolos, esforçando-se para este suplício com lhes dar a beber chumbo derretido.

O texto acima apresenta a forma cruel com que os mártires cristãos eram torturados. A descrição é bastante repulsiva, porque a intenção é demonstrar a morbidez e a fragilidade da condição humana que nas artes plásticas, também também foram representadas:

A dor de Cristo representada em sua face durante a crucificação 
Observe no texto abaixo como Padre Vieira, por meio de enumerações, conceituações, metáforas, argumentos lógicos etc tenta convencer o leitor a respeito da validade de sua tese:

Fazer pouco fruto a palavra de Deus no Mundo, pode proceder de um de três princípios: ou da parte do pregador, ou da parte do ouvinte, ou da parte de Deus. Para uma alma se converter por meio de um sermão, há-de haver três concursos: há-de concorrer o pregador com a doutrina, persuadindo; há-de concorrer o ouvinte com o entendimento, percebendo; há-de concorrer Deus com a graça, alumiando. Para um homem se ver a si mesmo, são necessárias três coisas: olhos, espelho e luz. Se tem espelho e é cego, não se pode ver por falta de olhos; se tem espelho e olhos, e é de noite, não se pode ver por falta de luz. Logo, há mister luz, há mister espelho e há mister olhos. Que coisa é a conversão de uma alma, senão entrar um homem dentro em si e ver-se a si mesmo? Para esta vista são necessários olhos, é necessária luz e é necessário espelho. O pregador concorre com o espelho, que é a doutrina; Deus concorre com a luz, que é a graça; o homem concorre com os olhos, que é o conhecimento; Ora suposto que a conversão das almas por meio da pregação depende destes três concursos: de Deus, do pregador e do ouvinte, por qual deles devemos entender que falta? Por parte do ouvinte, ou por parte do pregador, ou por parte de Deus? Primeiramente, por parte de Deus, não falta nem pode faltar. Esta proposição é de fé, definida no Concílio Tridentino, e no nosso Evangelho a temos (...)  

Observe o leitor como Vieira vai construindo a argumentação: em primeiro lugar afirma que a palavra de Deus faz pouco fruto. Quem poderia o responsável por essa falta de frutos: O pregador, o ouvinte ou Deus. A palavra de Deus é o próprio sermão que deve levar o pecador a conversão que para ocorrer necessitará de três coisas: doutrina (pregador), entendimento (pecador) e finalmente graça (Deus). Para que o homem veja seu pecado, ele necessitará de três coisas: espelho (doutrina, pregador),  olhos (entendimento, pecador), e luz (graça, Deus). Ele exclui prontamente a responsabilidade divina pela falta de fruto e, a fim de corroborar essa proposição, ele usa o argumento de autoridade: a bíblia e o Concílio Tridentino assim o dizem. Mais adiante ele dirá que a culpa é do pregador.

Voltemos a outro Sermão do Padre, o do bom ladrão, um texto bastante atual apesar de ter sido escrito há mais de quatrocentos anos:

É o que disse o outro pirata a Alexandre Magno.Navegava Alexandre em uma poderosa armada pelo Mar Eritreu a conquistar a Índia, e como fosse trazido à sua presença um pirata que por ali andava roubando os pescadores, repreendeu-o muito Alexandre de andar em tão mau ofício; porém, ele, que não era medroso nem lerdo, respondeu assim. — Basta, senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois Imperador? — Assim é. O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza; o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres. Mas Sêneca, que sabia bem distinguir as qualidades e interpretar as significações, a uns e outros definiu com o mesmo nome: Se o Rei de Macedônia, ou qualquer outro, fizer o que faz o ladrão e o pirata, o ladrão, o pirata e o rei, todos têm o mesmo lugar, e merecem o mesmo nome

Por meio de exemplificações, narrações, citações o leitor é levado a admitir a beleza e a atualidade de um texto como o acima exposto.

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