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sábado, 25 de março de 2017

Curso de Literatura - parte 2 - O Romantismo , a poesia

Vamos estudar o Romantismo em duas partes, poesia e prosa. As duas são igualmente importantes e tiveram ótimos escritores. A publicação de Suspiros poéticos e saudades (1836) de Gonçalves de Magalhães (1811 - 1882) é marcada como o nascimento do Romantismo no Brasil. 

A história do Brasil e o Romantismo confundem-se. Com a possibilidade das tropas francesas de Napoleão tomar Portugal que não tinha condições militares de resistir a invasão. A Corte portuguesa decide, com a ajuda dos ingleses, mudar a Família Real Portuguesa ao Brasil (1808). Com isso o Brasil deixa de ser colônia e obtem o status de Reino Unido a Portugal e Algarves. Muito bom para o Brasil que agora pode ter uma impressa que irá publicar jornais e livros criando, finalmente, um público leitor.


Dona Maria I, (a Louca), foi com D. João, os dois únicos soberanos do Reino Unido do Brasil, Portugal e Algarves
Após a Independência de Portugal (1822), nossos intelectuais e escritores sentem a necessidade de "criar" uma história e, principalmente, uma cultura brasileira. A independência política não era suficiente, por isso, nossos autores buscaram estabelecer nossas raízes históricas, linguísticas e culturais, ainda que muitas dessas coisas tenham sido buscadas no plano da ficção. Além de independência politica, nossos poetas e prosistas desejaram a independência literária de Portugal e dos valores clássicos.

A independência ideológica ocorreu principalmente por meio do nacionalismo ufanista das obras de nossos autores. Por falta de uma idade média, que representasse os valores individuais e nacionais da nação recém-independente, os escritores escolheram o índio como substituto aos valores que cavaleiro medieval representou no Romantismo Europeu. Podemos destacar também o regionalismo, a pesquisa histórica, o folclore e a tentativa de reproduzir uma língua brasileira, que serão mais evidentes na prosa do que na poesia, como características do romantismo.

* * *

As gerações românticas são classificadas principalmente pela poesia, já que um mesmo prosista pode possuir as características das três gerações a seguir: a primeira geração é definida pelo nacionalismo, pelo indianismo e pela religiosidade; a segunda geração é caracterizada pelo egocentrismo, pelo pessimismo, pelo satanismo e pelo tema constante da morte; finalmente a terceira geração é marcada pela consciência nacional e social.

***

Gonçalves Dias (1823 - 1864)
Foi o principal poeta da primeira geração romântica. Compôs poesia lírica e poesia épica. Sobre o conteúdo, cantou a pátria, a natureza, o índio, o amor não correspondido e a religião. Foi o autor da poesia mais conhecida da literatura brasileira, A canção do Exílio:

Minha terra tem palmeiras, 
Onde canta o Sabiá; 
As aves, que aqui gorjeiam, 
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas, 
Nossas várzeas têm mais flores, 
Nossos bosques têm mais vida, 
Nossa vida mais amores.

Em  cismar, sozinho, à noite, 
Mais prazer eu encontro lá; 
Minha terra tem palmeiras, 
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores, 
Que tais não encontro eu cá; 
Em cismar sozinho, à noite
Mais prazer eu encontro lá; 
Minha terra tem palmeiras, 
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra, 
Sem que eu volte para lá; 
Sem que disfrute os primores 
Que não encontro por cá; 
Sem qu'inda aviste as palmeiras, 
Onde canta o Sabiá.   

Nesse poema encontramos temas que são constantes no Romantismo: a saudade da pátria, o nacionalismo, a valorização da natureza, a religiosidade, a superioridade da fauna e da flora brasileira sobre o de outras nações. 

Vejamos a poesia lírica de Gonçalves Dias:
                 
Enfim te vejo! - enfim posso, 
Curvado a teus pés, dizer-te, 
Que não cessei de querer-te, 
Pesar de quanto sofri. 
Muito penei! Cruas ânsias, 
Dos teus olhos afastado, 
Houveram-me acabrunhado 
A não lembrar-me de ti! 
                III 
Louco, aflito, a saciar-me 
D'agravar minha ferida, 
Tomou-me tédio da vida, 
Passos da morte senti; 
Mas quase no passo extremo, 
No último arcar da esperança, 
Tu me vieste à lembrança: 
Quis viver mais e vivi! 

O eu-liríco, apesar do amor não correspondido, idealiza o objeto amoroso (2°) apesar de todo sofrimento causado pela amada. Ainda assim, ele prefere morrer (11°) a esquecê-la (8°), mas felizmente, (ou infelizmente, já que a amada lhe causa um sofrimento atroz), a lembrança da mulher o faz desejar viver (16°).

I-Juca-Pirama (o que há te morrer) é um poema épico de Gonçalves Dias. Vejamos resumidamente o enredo: um tupi é aprisionado pelos timbiras e será submetido e sacrificado em um ritual antropofágico. Sentimentos contraditórios o atinge: não tem medo da morte, mas quer viver por causa de seu velho pai. Acusam-no de covarde mas é libertado. Ao reencontrar seu pai, este percebe o cheiro das tintas rituais. O pai o leva de volta para os timbiras e pede que seja sacrificado, mas o índio luta e mata muitos inimigos, provando que não era covarde.

 Meu canto de morte, 
Guerreiros, ouvi: 
Sou filho das selvas, 
Nas selvas cresci; 
Guerreiros, descendo 
Da tribo tupi.

Da tribo pujante, 
Que agora anda errante 
Por fado inconstante, 
Guerreiros, nasci; 
Sou bravo, sou forte, 
Sou filho do Norte; 
Meu canto de morte, 
Guerreiros, ouvi.

Já vi cruas brigas, 
De tribos imigas, 
E as duras fadigas 
Da guerra provei; 
Nas ondas mendaces 
Senti pelas faces 
Os silvos fugaces 
Dos ventos que amei.

Andei longes terras 
Lidei cruas guerras, 
Vaguei pelas serras 
Dos vis Aimoréis; 
Vi lutas de bravos, 
Vi fortes - escravos! 
De estranhos ignavos 
Calcados aos pés.

E os campos talados, 
E os arcos quebrados, 
E os piagas coitados 
Já sem maracás; 
E os meigos cantores, 
Servindo a senhores, 
Que vinham traidores, 
Com mostras de paz.

Ao velho coitado 
De penas ralado, 
Já cego e quebrado, 
Que resta? - Morrer. 
Enquanto descreve 
O giro tão breve 
Da vida que teve, 
Deixai-me viver!

Aos golpes do imigo, 
Meu último amigo, 
Sem lar, sem abrigo 
Caiu junto a mi! 
Com plácido rosto, 
Sereno e composto, 
O acerbo desgosto 
Comigo sofri.

Meu pai a meu lado 
Já cego e quebrado, 
De penas ralado, 
Firmava-se em mi: 
Nós ambos, mesquinhos, 
Por ínvios caminhos, 
Cobertos d’espinhos 
Chegamos aqui!

O velho no entanto 
Sofrendo já tanto 
De fome e quebranto, 
Só qu’ria morrer! 
Não mais me contenho, 
Nas matas me embrenho, 
Das frechas que tenho 
Me quero valer.

Então, forasteiro, 
Caí prisioneiro 
De um troço guerreiro 
Com que me encontrei: 
O cru dessossêgo 
Do pai fraco e cego, 
Enquanto não chego 
Qual seja, - dizei!

Eu era o seu guia 
Na noite sombria, 
A só alegria 
Que Deus lhe deixou: 
Em mim se apoiava, 
Em mim se firmava, 
Em mim descansava, 
Que filho lhe sou.

Não vil, não ignavo, 
Mas forte, mas bravo, 
Serei vosso escravo: 
Aqui virei ter. 
Guerreiros, não coro 
Do pranto que choro: 
Se a vida deploro, 
Também sei morrer.

Conforme a proposta Romântica de idealizar a figura do índio, o personagem central demonstra honradez, bondade, amor filial e fidelidade a semelhança do cavaleiro medieval.

***

A segunda geração romântica, denominada Ultra-Romântica, foi uma geração de jovens poetas marcada pela desilusão, sem valores sociais ou nacionais. Eram individualistas, rejeitaram o indianismo e o nacionalismo da primeira geração. No plano do conteúdo, temas como bebida e vício, noite e morte, temas macabros e satânicos. Realçaram ainda mais o subjetivismo, o egocentrismo e o sentimentalismo. O tema amoroso foi marcado por antíteses de modo que ao mesmo tempo em que era desejado, também era temido, idealizado e assexuado, apesar do desejo carnal estar presente. A mulher era cobiçada, mas idealizada, incorpórea e associada a figuras como anjos, virgens, crianças etc; logo a mulher era um ser inalcançável. 

Álvares de Azevedo (1831 - 1852)
O paulista Álvares de Azevedo cursou Direito (quinto ano) quando morre antes dos 21 anos devido a complicações decorrentes de uma queda de cavalo. Todos os seus escritos nos chegaram postumamente. Começou a escrever a partir dos 17 ou 18 anos poesia, prosa e teatro durante o curso universitário (4 anos) e por isso apresenta uma obra irregular, ainda assim é o poeta que melhor define a segunda geração.

Em a Lira dos vinte anos (1853), sua poética apresenta as faces de Ariel e Caliban (não por acaso, a Lira é dividida em três partes: a primeira e a terceira apresentam a face de Ariel, e a segunda a de Caliban). Esses dois personagens, Ariel e Caliban, pertencem a obra de Shakespeare, A tormenta, são representações dos vícios e das virtudes humanas. De um lado, Ariel (o equilíbrio, o bem e a harmonia; de outro, Caliban (o desequilíbrio, o mal e a desordem). 

Vejamos primeiramente o poema Soneto publicado na primeira parte da Lira:

Pálida à luz da lâmpada sombria, 
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!

Era a virgem do mar, na escuma fria
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d'alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!

Era mais bela! o seio palpitando
Negros olhos as pálpebras abrindo
Formas nuas no leito resvalando

Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti - as noites eu velei chorando,

Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!

A descrição da mulher nos parece um cadáver (Pálida à luz da lâmpada sombria) deitada em um caixão (Sobre o leito de flores reclinada) e, talvez, morta por afogamento (Era a virgem do mar, na escuma fria / Pela maré das águas embalada!). No entanto, no decorrer da leitura, conforme a transição da noite para o dia (Pálida à luz da lâmpada sombria / Era um anjo entre nuvens d'alvorada ), percebemos que a mulher deitada não estava morta, mas apenas dormia (Negros olhos as pálpebras abrindo). Muito interessante perceber que o eu-lírico prefere contemplar a amada (Por ti - as noites eu velei chorando) a buscar a relação carnal com ela, percebendo que essa não-atitude beira o ridículo (Não te rias de mim, meu anjo lindo!).

Leremos um poema - Vagabundo - pertencente a segunda parte da Líra. Temas como a decadência, os vícios, os bêbados, as prostitutas e os andarilhos estarão presentes nessa parte.

Esse era o  cenário em que o "vagabundo" de Alvares de Azevedo
devia circular.  Largo da Sé (1862)  visão a partir da Rua Direita com
XV de Novembro.
Eu durmo e vivo ao sol como um cigano, 
Fumando meu cigarro vaporoso; 
Nas noites de verão adoro estrelas; 
Sou pobre, sou mendigo e sou ditoso! 

Ando roto, sem bolsos nem dinheiro; 
Mas tenho na viola uma riqueza: 
Canto à lua de noite serenatas, 
E quem vive de amor não tem pobreza. 

Tenho por meu palácio as longas ruas; 
Passeio a gosto e durmo sem temores; 
Quando bebo, sou rei como um poeta, 
E o vinho faz sonhar com os amores. 



O degrau das igrejas é meu trono, 
Minha pátria é o vento que respiro, 
Minha mãe é a lua macilenta, 
E a preguiça a mulher por quem suspiro. 

Escrevo na parede as minhas rimas, 
De painéis a carvão adorno a rua; 
Como as aves do céu e as flores puras 
Abro meu peito ao sol e durmo à lua. 


***

A terceira geração, influenciada pelo poeta francês Victor Hugo (1802 - 1885) por seu envolvimento em casos políticos e sociais, marca um período de maturidade no Romantismo. Foi uma geração que defendeu o abolicionismo e o republicanismo, ou seja, foram muitos diferentes das duas gerações anteriores, principalmente da segunda.

Chamada também de geração condoreira devido a metáfora do condor: assim como o poeta capaz de enxergar grandes espaços, o condor é uma ave solitária que efetua vôos altíssimos: o poeta se vê como um iluminado cuja função é orientar os outros homens.

Castro Alves (1847 - 1871)
Foi o poeta que marcou o período de transição entre o romantismo e o realismo: em lugar do nacionalismo ufanista, sua poesia terá posturas mais críticas e realistas. O ato amoroso não será idealizado ou platônico, ele será consumado. Logo a mulher deixa de ser um objeto a ser admirado, e passa a tomar atitudes mais ativas no relacionamento amoroso. Vejamos isso no poema Boa noite:

Boa noite, Maria! Eu vou-me embora.
A lua nas janelas bate em cheio...
Boa noite, Maria! É tarde... é tarde...
Não me apertes assim contra teu seio.

Boa noite!... E tu dizes – Boa noite.
Mas não digas assim por entre beijos...
Mas não me digas descobrindo o peito,
– Mar de amor onde vagam meus desejos.

Julieta do céu! Ouve.. a calhandra 
já rumoreja o canto da matina.
Tu dizes que eu menti?... pois foi mentira... 
...Quem cantou foi teu hálito, divina!

Se a estrela-d'alva os derradeiros raios
Derrama nos jardins do Capuleto,
Eu direi, me esquecendo d'alvorada:
"É noite ainda em teu cabelo preto..."

É noite ainda! Brilha na cambraia
– Desmanchado o roupão, a espádua nua –
o globo de teu peito entre os arminhos

Como entre as névoas se balouça a lua...

"Boa noite" é uma poesia erótica. O amante deseja ir embora porque a noite surge, mas a mulher, apertando-o contra o seio, não o deixa partir. Ela se despede do amante entre beijos e desnudando-se. Nesse embate amoroso, a manhã surge e o amante acaba por desistir de ir embora e quando finalmente amanhece é o amante que diz que ainda é noite nos cabelos negros da mulher. O poema termina com a descrição da mulher nua diante do amante.

Castro Alves é mais conhecido pela sua poesia social: defendeu a abolição, principalmente por meio do poema Navio negreiro (1868), índice da influência do Romantismo: esse poema não teve a preocupação de escrever sobre a realidade imediata da época porque a Lei Eusébio de Queiroz (proibição do tráfico negreiro) entrara em vigor mais de dez anos antes (1850). É um poema com temas hiperbólicos: o mar, o céu, o infinito, o deserto. 

Era um sonho dantesco... O tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho,
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar do açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...

Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras, moças... mas nuas, espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs.

E ri-se a orquestra, irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Se o velho arqueja... se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...

Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece...
Outro, que de martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!

No entanto o capitão manda a manobra
E após, fitando o céu que se desdobra
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."

E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da roda fantástica a serpente
Faz doudas espirais!
Qual num sonho dantesco as sombras voam...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!...

O poema apresenta, por meio da cor do som e do movimento, o sofrimento causado aos negros pelo transporte nos navios negreiros. O poema contrasta o vermelho do sangue nas peles negras das pessoas. O movimento do chicote comparado ao da serpente. A contorção de dor, que o poeta chama de dança, provocada pelo chicote. O capitão que o poema denomina como regente dessa música de dor miserável e paradoxalmente, o espaço onde essa cena ocorre: sobre a pureza do céu e do mar. Ao que parece entre esses espaços, o navio que seria um pedaço do inferno.

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